Arquitetura

Opinião: desafio da arquitetura é pensar um caminho para diminuir a desigualdade

Gustavo Utrabo*
26/09/2019 18:36
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Estrutura em madeira foi resultado do estúdio "Drawing in Shadow", ministrado por Gustavo Utrabo na Universidade de Hong Kong durante o primeiro semestre de 2019. Foto: Divulgação

Conhecimento, uma ferramenta que liberta

Conhecimento é uma ferramenta que nos liberta e de uma maneira muito bonita nos prepara para o desconhecido, para o amanhã. Na arquitetura não seria diferente, é o conhecimento que nos faz entender a pluralidade existente nas cidades, no outro e em tudo aquilo que é materializado ao nosso redor.
Neste imenso mar de possibilidades me encontrei inquieto no final de 2018: após ter vencido o Riba International Prize, fui convidado para lecionar como professor visitante no Mestrado de Arquitetura na Universidade de Hong Kong.
O convite para liderar um estúdio na universidade foi feito a mim e a mais quatro profissionais – Sam Jacobs (Londres), T+E+A+M (EUA), Chen Haoru (China) e Yosuke Obuchi (Japão). Todos nós tínhamos total liberdade de propor temas e metodologias de trabalho, tendo em vista a única demanda solicitada pela universidade: a de que os alunos pudessem aprender outras formas de pensar arquitetura.
Foto: Divulgação
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Nesta assustadora liberdade de pensar um tema, metodologia e produto final do Estúdio (nome dado à disciplina) me vi extremamente desafiado, afinal nunca havia recebido tamanha confiança de uma instituição com tanto prestígio como a Universidade de Hong Kong – uma das 13 melhores universidades para se estudar arquitetura no mundo (segundo a Quacquarelli Symonds).
A fim de desenvolver um processo de aprendizagem em conjunto com a instituição, resolvi estudar mais profundamente um tema que permeia de forma importante meus trabalhos e que acredito ter grande relevância em um contexto global, tendo em vista o tão crítico aquecimento global: a sombra.
Ao meu Estúdio dei o nome Drawing the Shade (Desenho da Sombra), que tinha como ambição pesquisar não só características funcionais propiciadas pela sombra, mas também toda efemeridade e liberdade por ela gerada em espaços públicos, como na marquise do Ibirapuera de Oscar Niemeyer ou no vão central do MASP (Museu de Arte de São Paulo), projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi.
Foto: divulgação
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A metodologia e os processos de aprendizagem escolhidos vislumbravam possibilitar o desenvolvimento intelectual dos treze alunos, gerar ferramentas que os permitissem tanto uma liberdade criativa quanto o entendimento de especificidades relacionadas à concretude do projeto através da execução de uma instalação no campus da universidade.
Assim, transformamos o esforço realizado ao longo do semestre em um projeto conjunto de aproximadamente 100 m², materializado através de uma estrutura de madeira executada com peças de fácil e corriqueira aquisição e uma leve cobertura que capturava a sombra e a transformava em atmosfera através de suas múltiplas camadas.
No entanto, mais do que entrar nas especificidades de como foi o processo de aprendizagem do estúdio, imagino ser mais interessante como exercício reflexivo pensar sobre a importância do ensino como uma ferramenta de liberdade que transpassa barreiras. Através dessa experiência de ensino em outro país, ficou mais evidente a mim que essa ferramenta possibilita aguçar a consciência acerca da autonomia que temos para nos libertar e repensar conceitos e perspectivas que mudam com muita rapidez ou se tornam obsoletos. Possibilita ainda nos prepararmos para situações que ainda não foram criadas, e como arquitetos não só materializamos ideias de futuro em arquiteturas, mas também em sociedade.
Foto: divulgação
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Nesse sentido, penso haver dois questionamentos significativos: Qual sociedade queremos? Como colaboramos para alcançá-la? E para isto, precisamos entender que, em um país banhado pela desigualdade, a transmissão do conhecimento é uma tarefa diária e deve transpassar todas as barreiras para que, de alguma forma, como sociedade possamos construir um progresso verdadeiro a caminho da diminuição da desigualdade.
*Gustavo Utrabo é arquiteto premiado com o Riba Internacional Prize, em 2018, dentre outros títulos.

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