Falecimento
Arquitetura
Morre Ruy Ohtake, arquiteto que projetou o Hotel Unique e os “redondinhos” de Heliópolis
O arquiteto e designer Ruy Ohtake morreu na manhã deste sábado (27), aos 83 anos, vítima da mielodisplasia, um tipo raro de câncer na medula. O velório será restrito à família, na residência do arquiteto, em São Paulo, e a cremação será no Horto da Paz, às 17h, ainda neste sábado.
Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU), em 1960, Ohtake conseguiu unir as duas principais escolas de arquitetura brasileira — a escola carioca, cujo expoente é Oscar Niemeyer (1907-2012), e a escola paulista com Vilanova Artigas (1915-1985) — em sua produção. Ele também era bastante conhecido por ser filho da artista plástica nipo-brasileira Tomie Ohtake, que morreu em 2015, aos 101 anos.
Entre seus principais projetos, destaca-se o Hotel Unique, localizado na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, na capital paulista. A estrutura de sete andares lembra um navio pelo seu traço de arco invertido e tem uma piscina vermelha assinada em conjunto com o paisagista Gilberto Elkis. Segundo o crítico Paul Goldberg, o hotel é um dos prédios mais importantes do mundo.
Outra obra de destaque são os prédios "redondinhos", como ficaram conhecidos os edifícios cilíndricos do conjunto habitacional de Heliópolis.
A ideia aconteceu graças a uma fala mal interpretada de Ruy Ohtake. Em 2003, uma revista publicou a seguinte declaração atribuída ao arquiteto: “O que acho mais feio em São Paulo é Heliópolis”. Depois de ver a reportagem, Ohtake esclareceu que a intenção foi dizer que o mais feio na cidade era a diferença entre bairros ricos e pobres — “a diferença entre o bairro do Morumbi e Heliópolis, a maior favela”, corrigiu.
Na semana seguinte à declaração, João Miranda, líder comunitário em Heliópolis, ligou para Ohtake. Em vez de exigir explicações, pediu ao profissional que ajudasse o lugar a ficar mais bonito. E então o arquiteto topou o que ele chamou de "Arquitetura real", e mergulhou em uma cruzada pessoal contra a “desagradabilíssima” desigualdade social, em suas próprias palavras em entrevista para HAUS em 2016.
Também é dele o premiado Parque Ecológico do Tietê, e o Expresso Tiradentes, ambos em São Paulo. Bem como o projeto da Embaixada Brasileira em Tóquio.
A partir da construção da Embaixada Brasileira em Tóquio em 1981, assumiu um compromisso maior com as cores e suas obras viraram sinônimo de folia cromática. Ao todo, tem mais de 400 projetos construídos.
Mais recentemente, Ohtake se dedicava ao design de produtos. Sua coleção de cubas para a Roca, inspirada no formato de ovo, foi amplamente premiada, ganhando inclusive a categoria máxima de um dos prêmios de maior prestígio mundial no campo do design: o Red Dot Award 2019, concedido pelo Design Zentrum Nordrhein Westfalen, na Alemanha.
Em entrevista para HAUS em 2016, em visita a Curitiba, o arquiteto defendeu cidades mais democráticas: "A arquitetura é feita para as pessoas, para o povo. E a arquitetura tem que significar determinada época. Mas temos que saber olhar para o futuro, que é importante para o desenvolvimento das pessoas. Em 50 anos, teremos no país, segundo estatísticas, 50 milhões de pessoas entre 20 e 25 anos. É importante que todos se preocupem e façam alguma coisa. A formação desses jovens que estão ávidos por informações é papel de todos, inclusive da arquitetura", explicou.
E cobrou um compromisso para com o uso das cores. "O Brasil sempre foi um país que usou muita cor. Tanto pela natureza amazônica, o Pantanal, o mar, como também pelas construções das primeiras vilas e aldeias. Entretanto, nos últimos 100 anos, o Brasil foi colonizado culturalmente pela Europa. Em Paris, por exemplo, não se colocava mais tanta cor, largando a importância e a alegria dela. Por este motivo faço esforço para os projetos terem cor. E cor forte. Não é azul clarinho, nem vermelho rosa. É vermelho forte. Porque a cor tem que ter compromisso. ‘Quebrar o branco com uma corzinha’… não é assim. É azul forte, vermelho forte, verde forte. É cor, cor mesmo. Não é simples tintura para efeito decorativo", criticou Ohtake.