Arquitetura
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Maringá quer resgatar projeto de Niemeyer, mas enfrenta desinteresse e gera debate sobre autoria

Um teatro projetado por Oscar Niemeyer e engavetado há cerca de 30 anos pode se tornar o novo centro de eventos de Maringá. Com formato que lembra um livro aberto ou um pássaro em pleno voo, o espaço terá 11 mil metros quadrados e altura máxima de 25 metros, divididos em seis pavimentos. Ele deve abrigar, além de um auditório com palco reversível – ou seja, que pode ser voltado para a plateia interna, com 700 lugares, ou para a área externa, mais ampla –, espaços de exposições, uma pequena biblioteca para o acervo bibliográfico do município e um espaço para café ou bar, isso sem contar sanitários, camarins, áreas técnicas e administrativas, jardins e estacionamento.
A ideia é erguer a edificação, que integrava o Complexo Ágora, uma ampla proposta desenvolvida por Niemeyer entre os anos 1980 e 1990 para o Novo Centro do município, no mesmo terreno em que ela deveria ter sido construída à época: ao lado do atual Terminal Intermodal, onde hoje há um estacionamento. A execução, porém, é incerta. Só em 2023, foram abertos três processos licitatórios para contratar a empresa que ficaria responsável pela obra – o último, anunciado em 10 de julho e com abertura dos envelopes marcada para 16 de agosto, foi suspenso dois dias após a divulgação.
De acordo com a prefeitura, a suspensão é temporária e tem por fim “realizar análise junto à Caixa Econômica Federal de adequações no edital”. O objetivo é aumentar o valor máximo da contratação, hoje em R$ 65.820.018,46 – bancado pelo governo federal e o municipal –, para tentar atrair interessados. “Já tivemos problemas em duas [licitações], se mantivermos tudo como está, é natural que tenhamos problemas na terceira”, resume o prefeito, Ulisses Maia. .

O primeiro processo licitatório, realizado entre janeiro e março, até teve uma empresa interessada em realizar a obra, mas ela declarou que não era possível fazê-lo com o orçamento previsto, que, naquele momento, girava em torno de R$ 60,5 milhões. A construtora foi desclassificada e a licitação acabou fracassada. Em março, novo processo foi aberto com mudanças no edital: além do valor, mais alto, consórcios passaram a ser admitidos. Apesar disso – e da extensão de prazo –, a licitação terminou deserta, ou seja, sem empresas interessadas.
“Eu imagino que [esse resultado] é por ser uma obra do Niemeyer, complexa e diferenciada. E talvez as empresas não tenham se sentido estimuladas a concorrer com esse preço, que é um preço normal de obra pública”, avalia o prefeito, Ulisses Maia.
A análise da arquiteta e urbanista Jeanne Versari, uma das autoras do livro “As Desventuras do Planejamento Urbano: o novo centro de Maringá (PR), do Projeto Ágora de Oscar Niemeyer à produção imobiliária do século XX”, segue em linha semelhante. “A primeira questão é o próprio refinamento da obra. O edital prevê uma experiência em construções de tipo específico e, localmente, é muito difícil ter uma empresa que consiga trabalhar com uma obra desse porte”, diz.
Além disso, a especialista cita que o orçamento pode não ser atrativo para as empresas que tenham a experiência necessária para executá-la.
Autoria
Há outra questão envolvendo a construção do Centro de Eventos Oscar Niemeyer: o debate sobre a autoria do projeto. Profissionais da área defendem que, mesmo que tenha sido originalmente concebido por Niemeyer, a edificação não pode ser entendida como um projeto do arquiteto devido a alterações por que passou após a morte dele, em dezembro de 2012.
A primeira diz respeito à construção “fora de contexto”, ou seja, fora do conjunto arquitetônico que compunha originalmente: o Complexo Ágora, uma praça com seus edifícios e seus vazios. “Retirar um fragmento do projeto – o edifício do Teatro – de seu contexto projetado, mudando sua implantação, é na verdade conceber outro projeto”, argumenta uma carta do núcleo maringaense do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) escrita em 2021, quando a proposta de resgatar o projeto foi anunciada pela prefeitura.

A segunda trata do processo de atualização do projeto para adequação à proposta de ser um centro de eventos. “Nosso questionamento é: até que ponto esse projeto que está fora do seu contexto enquanto conjunto arquitetônico pode ser considerado de Niemeyer? Além disso, ele ainda mudou de uso. É como se pegássemos uma casca e a transformássemos em outra coisa”, afirma Jeanne, que integra o IAB Paraná - Núcleo Maringá. Para o instituto, o edifício seria mais uma escultura em homenagem a Niemeyer do que um projeto do arquiteto em si.
O arquiteto Jair Valera, que trabalhava com Niemeyer e é o responsável técnico pela atualização do projeto, feita pelo Instituto Social Oscar Niemeyer de Projetos e Pesquisas, defende que as alterações não foram tão significativas. “As únicas alterações foram no interior: acrescentamos uma biblioteca e colocamos o portão no fundo do palco. Niemeyer começou a fazer isso [palcos reversíveis] em todos os teatros uns 20 anos antes de falecer. O Auditório do Ibirapuera é assim, assim como o teatro de Duque de Caxias [Teatro Municipal Raul Cortez] e outros. Acrescentamos, porque, na época do projeto original, ele ainda não tinha pensado nisso”, afirma.
“O projeto também não teve o uso alterado. Foi pensado junto com o projeto original e como teatro também. Continua, inclusive, no mesmo lugar. Então, acho que não há razão para essa discussão”, finaliza.
Complexo Ágora
O teatro que deu origem ao Centro de Eventos Oscar Niemeyer era um dos diversos equipamentos públicos e privados que compunham o Complexo Ágora, uma proposta desenvolvida pelo arquiteto para ocupação da área do antigo pátio de manobras da ferrovia a partir da qual a cidade se desenvolveu – e que acabou se tornando um empecilho para ela, devido ao estrangulamento do tráfego.
Como o próprio nome sugere, consistia numa grande praça que ocuparia uma área de aproximadamente 206 mil metros quadrados. Para executá-la, a ferrovia seria rebaixada para um túnel e, sobre ela, seriam erguidos lojas, edifícios residenciais, um hotel, um teatro, um restaurante e uma biblioteca. Entre eles haveria espaços vazios, áreas permeáveis e espelhos d’água.

A proposta era a segunda apresentada por Niemeyer para Maringá. “Niemeyer foi contratado em 1985 e a primeira proposta foi apresentada em novembro de 1986. Ela abrangia três quadras da cidade, um total de 206 mil metros quadrados. Era um grande conjunto, bastante monumental, com torres altíssimas para a época, hotéis 4 ou 5 estrelas, auditório, shopping, estacionamento, posto de gasolina”, conta Jeanne.
Além de ser pouco aderente com a realidade da cidade à época, a proposta deveria ser executada por uma única empresa, contratada por meio de um único processo licitatório, o que se mostrou inviável tanto pelo investimento necessário quanto pela pressão do mercado imobiliário local, que queria participar do processo. Assim, as obras foram divididas em lotes e foi aí que o projeto começou a ser engavetado.
“Em 1991, o projeto vira um plano diretor e muda-se a estratégia: os editais de concorrência passam a ser divididos. Aí, inicia-se a transferência do pátio, mas a empresa responsável não consegue pagar o rebaixamento da linha férrea, então ela começa a vender algumas quadras laterais e, a partir disso, começa uma certa desconfiguração da região, com a perda desses terrenos ao redor e um processo de privatização do espaço público”, conclui Jeanne.
