Patrimônio em madeira
Arquitetura
Erbo Stenzel: laudo da perícia técnica confirma que demolição da casa histórica foi apressada e inadequada

HAUS registrou o momento exato em que a Prefeitura de Curitiba destrói o reminiscente da casa em 2017. | Arquivo/Hugo Harada/Gazeta do Povo
Laudo da perícia técnica da Justiça confirma que a demolição da casa histórica Erbo Stenzel foi inadequada, não era urgente e poderia ter sido evitada por meio da adoção de outros procedimentos, como o isolamento do local com tapumes ou construções emergenciais de estabilização das estruturas. Essa é a conclusão que chega a arquiteta especialista em conservação e restauro de monumentos e conjuntos históricos Jussara Valentini, que foi apontada pelo juiz Guilherme de Paula Rezende, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, para periciar o caso da ação civil pública do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Paraná (SindARQ-PR) contra o prefeito Rafael Greca (PMN) e o município de Curitiba por danos patrimoniais e improbidade administrativa.
O documento de avaliação técnica data de 9 de julho de 2020, mas só foi obtido pela reportagem agora em 2022. A destruição da residência centenária, considerada por especialistas da área a casinha de madeira mais emblemática de Curitiba, aconteceu com autorização do prefeito da capital paranaense logo após um incêndio parcial em 14 de junho de 2017, como apurou a reportagem de HAUS com exclusividade à época.

“A demolição com uso de retroescavadeira não foi adequada, pois colocou abaixo e destruiu partes e elementos construtivos da edificação que poderiam ser mantidos no local ou, se necessária a desmontagem da edificação, reaproveitados”, aponta Valentini no laudo. “No momento seguinte à extinção do incêndio, nos parece que a demolição total da casa não era a única opção possível. [...] Pela análise das informações e fotos contidas no processo, pode-se concluir que a demolição da casa denominada Erbo Stenzel foi decidida de forma açodada, pois outras providências poderiam ter sido tomadas, preservando os remanescentes sem abrir mão da segurança.”
A perita ressalta ainda que “as partes integralmente carbonizadas, ou foram ao chão durante o incêndio, ou permaneceram parcialmente fixadas na estrutura” e, portanto, os elementos “não apresentavam risco de desabamento iminente”.

Valentini conclui lembrando em suas considerações finais que o uso de retroescavadeira danificou sim os elementos remanescentes e não é prática usual para o desmonte de edificações com valor cultural. E termina: “Não, não é possível afirmar que as normativas e métodos para salvaguarda do patrimônio cultural foram atendidos, ou sequer considerados.”
O advogado Ramón Bentivenha, que representa o SindARQ-PR na ação civil pública, reitera que o laudo da perícia judicial confirma aquilo que os autores do processo dizem desde o início. "A demolição da Erbo Stenzel não deveria ser a primeira opção. Em realidade, na visão técnica da perita, após o incêndio, seria possível o isolamento e a manutenção da estrutura de madeira para posterior desmontagem e catalogação daquilo que restou", salienta Bentivenha.

Procurado desde a manhã desta quarta-feira (16) por telefone, WhatsApp e e-mail, o escritório Pereira Gionédis Advogados, que representa Greca no caso, não retornou até o fechamento desta reportagem às 10h30 desta quinta-feira (17).
Memorial Erbo Stenzel
Desde o último dia 15 de fevereiro, a Justiça declarou o processo suspenso. Isso porque um acordo entre as partes está sendo discutido. "O que se pretende é a implantação de um memorial Erbo Stenzel no Parque Vista Alegre. É um processo que será encaminhado em conjunto pela PGM, Ippuc, SMMA e o SindARQ, autor da ação", esclarece a Prefeitura de Curitiba por meio de nota oficial para HAUS.

"Na sexta-feira, dia 11 de fevereiro, na véspera da oitiva do senhor prefeito, o Sindicato teve uma grata surpresa por parte do Ippuc. Fomos procurados com uma proposta de reconhecimento extrajudicial do pedido. Isso é, um acordo, em que a Prefeitura se comprometeria a atender os pedidos apresentados na petição inicial, reconstruindo a casa de Erbo Stenzel ou ainda edificando um espaço de memória. Ainda é cedo para dar maiores detalhes, mas estamos confiantes de que poderemos construir uma solução de consenso em que será assegurado o interesse público", detalha o advogado Ramón Bentivenha.
Sobre a Casa Erbo Stenzel
A edificação batizada de Casa Erbo Stenzel foi construída em 1928 com estrutura autônoma de madeira e vedação de tábuas com mata-juntas, técnica representativa da arquitetura residencial muito comum na região de Curitiba no início do século 20 e com exemplares cada vez mais raros nos dias atuais, como descreve a perita no laudo.
"A tipologia da casa Erbo Stenzel difere das casas de madeira com pavimento térreo e sótão comumente construídas em Curitiba. O frechal mais alto que os barrotes que suportam o piso do sótão e forro do térreo possibilitou um melhor aproveitamento do sótão. Como consequência, o pé-direito das varandas é maior. Essa característica imprime especial valor à edificação", defende Valentini no documento técnico.

Conforme consta no processo, a Casa Erbo Stenzel foi residência do artista paranaense Erbo Stenzel. A casa foi doada à Prefeitura de Curitiba e, em 1998, foi transferida para o Parque São Lourenço, onde se tornou um museu com o objetivo de manter viva a memória e a casa onde viveu o escultor curitibano, além guardar seus objetos e pertences.
"Pelas suas características físicas e pelo seu uso original, a edificação tem dupla relevância histórica e cultural. Este valor histórico é reconhecido pela municipalidade tanto por ocasião do recebimento em doação quanto pelo evento do incêndio", avalia Valentini na perícia.
Em 2009, o museu foi desativado e os itens do acervo foram devolvidos à Secretaria de Estado da Cultura. A casa foi fechada para visitação pública. Em 14 de junho de 2017, a edificação foi atingida por incêndio e foi posteriormente demolida pela Prefeitura de Curitiba.