Arquitetura

Última fortaleza construída para proteger Florianópolis no século 18 será restaurada

Karina Pizzini*
11/09/2019 19:02
Thumbnail

Foto: Inspire-C/Divulgação

As ruínas da Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba, localizada no município de Palhoça, ao sul da capital catarinense, contam a história pouco preservada de uma das principais fortalezas do Sistema Defensivo da Ilha de Santa Catarina do Brasil colonial. Construída no século 18 para defender o sul da ilha de Florianópolis e o território português, ameaçado pelos espanhóis, a Fortaleza de Araçatuba foi a última parte do projeto do Brigadeiro José da Silva Pais para o sistema defensivo da Ilha.
Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) somente na década de 1980, a Fortaleza passa pelo primeiro projeto de consolidação desde seu tombamento. Ele integra um conjunto de ações do Iphan que inclui as principais fortalezas do sistema defensivo da Ilha de Santa Catarina, segundo Regina Helena Meirelles Santiago, chefe da divisão técnica do instituto.

Projeto de Consolidação

A Fortaleza de Araçatuba já passou por processos de conservação e escoramentos, porém, desde a década de 1960 está em estado avançado de arruinamento. Atualmente, sob jurisdição do Exército brasileiro, ela não possui estrutura para visitação, como outras fortalezas da ilha catarinense. Para recuperar sua memória e torná-la um museu a céu aberto, é preciso primeiro entender a sua história, o que as edificações ali remanescentes dizem sobre ela, já que pouco se tem documentado sobre esse sítio.
A arquiteta e coordenadora do projeto de consolidação, Letícia Nardi, da Inspire-C, empresa que ganhou a licitação do projeto situada em Curitiba, explica que “temos que ter um conhecimento anterior muito grande daquilo que existe lá para conseguir propor alguma coisa. A proposição do projeto mesmo, por exemplo, é a última etapa”, lembra.
Foto: Inspire-C/Divulgação
Foto: Inspire-C/Divulgação
A primeira etapa, consiste no levantamento do sítio e das edificações, processo auxiliado com a tecnologia de escaneamento, que faz um desenho real do sítio e apresenta toda estrutura física ainda existente. “Trabalhamos como detetives. Cada projeto é uma descoberta e, a partir do que existe ali, você vai se aproximando do objeto, para, assim, conseguir fazer a proposta de intervenção”, conta o arquiteto Bernard Greim, que compõe a equipe juntamente com Letícia e Ana Luísa Furquim, além de três engenheiros.
A segunda etapa consiste no diagnóstico, os profissionais precisam entender como a edificação está e porque está assim. “A própria edificação é a base do nosso diagnóstico. É preciso entender porque a parede está caindo, porque tem uma rachadura ou porque a argamassa está se decompondo e a pedra está soltando”, exemplifica Letícia. Relatos afirmam que o sítio da ilha de Araçatuba já serviu como fortaleza, prisão e até alvo para exercício de tiros do exército.
Outro cuidado importante da equipe era entender quais materiais foram utilizados nas edificações. Amostras foram levados ao laboratório para identificar a matéria-prima e assim sugerir a revitalização com composições atuais que conversem com a estrutura do século 18. “É muito rústico, eles pegavam as coisas ali do local. A argamassa, por exemplo, é feita de barro e conchas, o que não é incomum no litoral brasileiro, mas ali tem conchas inteiras, nem moídas elas foram. É como você ver as entranhas do próprio edifício”, aponta Letícia.
A equipe não é responsável pela obra de restauração. Ela apenas pesquisa e apresenta um diagnóstico com uma espécie de receituário de revitalização do local, detalhes de como a obra deve ser executada, os materiais que devem ser utilizados para garantir uma estrutura mínima com segurança para eventual abertura ao público.
Embora o projeto seja concluído em novembro deste ano, não há previsão para a execução da obra. A próxima etapa consiste na busca de recursos pelo Iphan para sua execução, entretanto, tanto execução quanto abertura para visitação ainda passam por um diálogo com o Exército, responsável pelo bem, segundo Regina Santiago, do Iphan.

Memória

Parte da história contada pelas ruínas foi testemunhada pelo pai e o avô do engenheiro civil Eran Urubatan Fraga, convidado por Letícia para participar do projeto. Eran conta que quando era pequeno ouvia as histórias de infância do pai, que dos três aos sete anos de idade viveu no Forte Marechal Moura, localizado na Ilha dos Naufragados, em frente à Fortaleza de Araçatuba. “O meu avô era militar e ao mesmo tempo marceneiro. Ele servia na Fortaleza de Anhatomirim e, em 1918, foi convocado para o Forte Marechal Moura, quando meu pai tinha três anos”, conta.
Apaixonado por história, Eran explica que o forte e a fortaleza atuavam em conjunto na defesa do sul da ilha de Santa Catarina. “Por gostar de coisa antigas a gente sempre soube e acompanhou as histórias do meu pai, mas muita coisa se perdeu, porque a gente era jovem na época e não dava muita atenção a essas histórias”, lamenta. Em 1922, seu avô foi transferido para Curitiba, onde se mudou para o quartel do Bacacheri com toda a família.
“Nós somos o que somos ao conhecermos nosso passado, tanto do nosso país quanto da família. Essas edificações contam uma história, é como uma pintura em tela, é a retratação de uma época. Para que hoje, olhando aquela pintura, a gente consiga entender a história do passado”, reflete Eran.
*Especial para a Gazeta do Povo.

LEIA TAMBÉM: