Arquitetura
Fachadas espelhadas são mesmo um problema para as cidades?
Vdara Hotel, em Las Vegas. O gigantesco complexo com 55 andares possui toda a fachada composta por vidros reflexivos. Foto: Divulgação
“Nós vamos introduzir uma legislação para banir os arranha-céus de vidro e aço, que contribuem tanto para o aquecimento global. Eles não têm mais lugar na nossa cidade ou no nosso planeta”. A frase é do prefeito de Nova York, Bill de Blasio, dita durante o lançamento do acordo ambiental The Green New Deal, em abril deste ano. O novo acordo ambiental da cidade norte-americana foi criado para tornar mais sustentáveis setores como o da construção civil, e colocou um verdadeiro alvo nas costas dos edifícios espelhados.
Apesar da assertiva do prefeito de que este tipo de construção tem impacto até mesmo maior do que o gerado pelos automóveis para o aquecimento global, especialistas de diversas áreas ligadas à construção civil afirmam que, embora eles possam sim ter algum tipo de efeito ambiental nocivo, não é possível saber exatamente a extensão deste prejuízo. O que se sabe, no entanto, é que eles geram algumas transformações no seu entorno.
Segundo o arquiteto e urbanista André Souza Silva, professor da Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Unisinos, especialmente em países do hemisfério Sul, entre os efeitos das fachadas espelhadas está a contribuição para a formação das chamadas “ilhas de calor”, mas não apenas isso. “[As fachadas espelhadas] causam desconforto considerável aos pedestres devido ao aumento da temperatura no nível das calçadas, desorientação espacial relacionada à duplicidade de perspectiva, poluição visual em razão do excesso de informações que reproduz, além de impactos ambientais com relação à colisão de aves”.
Outro aspecto indireto apontado pela professora Karin Marins, do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), são os ganhos excessivos de calor no ambiente interno dos edifícios com fachadas de vidro em geral. “São extensos ‘panos’ de vidro, o que acaba requerendo aumento do consumo de energia com sistemas de ar-condicionado. Estes utilizam energia elétrica, que é proveniente em grande parte de sistemas que utilizam combustíveis fósseis e que, portanto, contribuem para o aumento do efeito estufa e das mudanças climáticas.”
Embora os estudos sobre os efeitos dos edifícios envidraçados para o aquecimento do ambiente urbano de maneira global não sejam frequentes, há os que confirmam o impacto térmico, com elevação da temperatura superficial e do ar. Edifícios como o Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles, passaram por estudos de caso que confirmaram os problemas urbanos associados ao uso de vidros e materiais reflexivos no entorno imediatodas edificações.
Levantamentos do tipo também foram feitos no Vdara Hotel, um gigantesco complexo com 55 andares, localizado em Las Vegas. Para compensar o impacto ambiental no efeito de ilha de calor, o complexo hoteleiro aplica medidas de eficiência energética, reaproveitamento de água da chuva e um sistema combinado de aquecimento e energia que captura o excesso de calor para gerar a água quente usada no hotel.
Há, também, a geração de ofuscamento “em função da construção de edifícios envidraçados e também com superfícies metálicas sobre o microclima urbano no seu entorno imediato, tanto nos espaços abertos quanto nos edifícios, contribuindo para o efeito ilha de calor, desconforto térmico e mesmo risco à saúde, dependendo da forma e do tempo de exposição a tais condições térmicas. O impacto térmico está relacionado até mesmo ao risco de incêndio e de desconforto térmico nas áreas de influência da reflexão dos raios solares após incidirem sobre as fachadas envidraçadas espelhadas”, detalha a docente.
No caso das fachadas côncavas, o impacto é ainda maior, de acordo com Karin Marins. “Elas podem potencializar os impactos térmicos da luz refletida pelas superfícies envidraçadas sobre o entorno imediato. Fachadas convexas, por sua vez, espalham a reflexão solar por uma área muito maior que o entorno imediato, amplificando os efeitos da incidência dos raios solares por um período de tempo mais longo”.
Como reverter ou minimizar?
Se este formato de edificação traz tantos aspectos negativos, por que eles continuam fazendo parte da paisagem urbana? A resposta é simples: seu apelo estético. São, de acordo com o professor da universidade gaúcha, “elementos interessantes na paisagem urbana, como em casos de requalificações em edificações históricas em que é possível diferenciar o antigo e o novo”.
Usados com cautela e considerando sempre o entorno, é possível minimizar o efeito nocivo dos reflexos. “De acordo com a altura da edificação e a orientação solar, estudos poderiam determinar proporções de áreas de reflexão por fachada, cujos efeitos seriam minimizados ou mesmo dissipados significativamente, proporcionando habitabilidade e ambiência urbana, ou seja, qualidade de vida em nossas cidades”, explica Silva.
Para os edifícios que já foram construídos dessa forma, uma substituição gradual dos vidros por outros de menor efeito reflexivo seria uma saída. Outra, segundo a professora da USP, seria a construção de esculturas urbanas que poderiam funcionar como anteparos em situações mais extremas de reflexão da luz solar.
“A estratégia não é eliminar os vidros das fachadas, mas desenvolver projetos que balanceiem sua quantidade com outros materiais e também sejam posicionados segundo as orientações geográficas mais adequadas do ponto de vista da iluminação natural e dos ganhos de calor com radiação solar”, esclarece Karin Marins.
Graças ao grande número de variáveis envolvidas, os níveis de impacto, especialmente na questão do ofuscamento, costumam ser difíceis de diagnosticar, conforme aponta a professora. “Por isso, a definição sobre a quantidade de superfícies reflexivas e seu posicionamento na edificação é uma etapa extremamente relevante, que necessita ser embasada do ponto de vista teórico e utilizar o máximo de ferramentas disponíveis de forma a minimizar e, se possível, eliminar os impactos”.
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