Arquitetura

Explodidas pelo Talibã, maiores estátuas de Buda do planeta voltam à vida de uma forma diferente

Rod Nordland, New York Times
06/07/2019 00:00
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Projeção 3D da estátua de Buda destruída pelo Talibã. Foto: Jim Huylebroek/The New York Times | NYT

Aqui há uma lembrança de alguém com as iniciais A. B. que, em oito de março, subiu e entrou no penhasco no qual dois Budas gigantes foram entalhados há 1.500 anos.
Em uma câmara de teto abobadado, à qual se chega depois de atravessar a passagem que se estende na parte interior da rocha, A. B. deixou ali suas iniciais e a data, como centenas de outras pessoas já tinham feito, e desenhou um coraçãozinho.
Essa é só uma das contribuições mais recentes para a destruição das duas famosas esculturas, consideradas Patrimônio da Humanidade.
A laborer passes the western Buddha niche in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A laborer passes the western Buddha niche in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A pior foi a iniciativa do Talibã, em março de 2001, ao explodir aquelas que, na época, se acreditavam ser as maiores estátuas de Buda em pé – uma com 55 metros de altura, a outra com 38 – do planeta.
Os insurgentes levaram várias semanas, usando artilharia pesada e explosivos, para reduzir as obras a pilhas gigantescas de fragmentos aos pés do despenhadeiro, revoltando o mundo inteiro.
Desde então, a degradação continua, mas há 18 anos o Afeganistão e a comunidade internacional discutem o que fazer para proteger e/ou recuperar o local sem que se tenha chegado a qualquer decisão; para piorar, geralmente há só um guarda de plantão.
Marks from shoes, slapped against the walls in the 1990s by hard-line Islamist mujahedeen factions out of disrespect, in the ash from their wood fires in the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Marks from shoes, slapped against the walls in the 1990s by hard-line Islamist mujahedeen factions out of disrespect, in the ash from their wood fires in the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Uma sugestão recente foi a dos chineses Janson Hu e Liyan Yu: o casal financiou a criação de uma projeção de luz em 3D, mais ou menos da altura da Estátua da Liberdade, do Buda maior, conhecido localmente como Solsol, representando todo seu antigo esplendor.
A imagem brilhou no nicho, durante uma noite de 2015; depois, os dois doaram o projetor de US$ 120 mil ao ministério da cultura local.
As autoridades locais fazem uso dele em ocasiões especiais, mas raras, uma vez que Bamiyan não tem suprimento local de energia, com exceção de campos de painéis solares de baixa capacidade, e o projetor é muito exigente, tendo inclusive um gerador a diesel próprio.
A 3-D projection of how a destroyed Buddha, known as Solsol to locals, might have looked in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A 3-D projection of how a destroyed Buddha, known as Solsol to locals, might have looked in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Assim, a maior parte do que restou dos monumentos é tão mal guardada que qualquer um pode comprar ingresso (US$ 4 para estrangeiros, US$ 0,60 para afegãos), entrar e basicamente fazer o que bem entender. E é o que acontece.
Quem quer algum tipo de lembrança do local arranca nacos da decoração pintada do estuque da rede de câmaras ou simplesmente pega pedaços de arenito moldado espalhados pelo chão. Há pichações, slogans e até solicitações de sexo por toda parte.
Damaged stucco and a sign announcing environmental monitoring in a domed cave in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Damaged stucco and a sign announcing environmental monitoring in a domed cave in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Qualquer um pode, como fez A. B., atravessar as passagens que cercam os nichos imensos no despenhadeiro e subir as escadarias sinuosas modeladas no próprio arenito, com degraus do dobro da altura dos normais, como se tivessem sido construídos para gigantes.
Ao fim da jornada, chega-se ao nível acima do nicho oriental, que abrigava o Buda menor, podendo-se admirar do beiral onde ficava a cabeça da estátua a vista esplêndida das montanhas cobertas de neve e dos vales verdejantes.
Macio, o arenito dos degraus solta pedaços sob os pés, de modo que o próprio ato de escalá-los já é, em parte, um prazer proibido, embora não mais tão perigoso – pois foram instalados corrimãos de ferro para permitir que a movimentação na inclinação intensa e ao redor das janelas sobre o precipício seja mais segura, ainda que perdendo a autenticidade do primeiro milênio.
Tourists from Ghazni Province make their way through winding staircases carved from crumbly sandstone at the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Tourists from Ghazni Province make their way through winding staircases carved from crumbly sandstone at the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Quando o Talibã demoliu os Budas, de certa forma estragou toda a área.
As estátuas, que começaram a ser erguidas em 55 d.C. e levaram cerca de um século para ficarem prontas, eram apenas a parte mais proeminente de um complexo de centenas de cavernas, monastérios e santuários, muitos dos quais decorados em cores pelos monges que meditavam e rezavam dentro deles. Mesmo sem os Budas, os nichos permanecem, tão impressionantes quanto as obras que protegiam; de fato, a Estátua da Liberdade caberia com folga no vão ocidental.
A Unesco promoveu o vale todo, incluindo o penhasco e seus monastérios, a Patrimônio da Humanidade. “Se o Talibã voltar com intenções destruidoras, dessa vez terá de acabar com o rochedo inteiro”, afirmou Aslam Alawi, atual ministro da Cultura afegão. Ao mesmo tempo, a agência também incluiu os Budas do complexo de Bamiyan na lista de Monumentos em Perigo, atualmente composta de 54 localidades. O nicho ocidental continua em risco de desabar.
A view of snow-capped mountains and the lush green valley below where a Buddha statue stood in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A view of snow-capped mountains and the lush green valley below where a Buddha statue stood in Bamiyan, Afghanistan, May 18, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A maioria dos arqueólogos se opõe à restauração, alegando que os danos foram excessivos e que, por isso, o custo seria proibitivo. Calculam-se US$ 30 milhões para cada estátua e US$ 1,2 bilhão para o complexo inteiro. Entretanto, há quem diga que a destruição em si se tornou um monumento histórico, devendo, portanto, ser preservada como está, lembrança visível do iconoclasmo talibã.
A proposta da conferência científica realizada em Tóquio, em 2017 – com a participação de afegãos, membros da Unesco, cientistas e doadores –, era estudar a questão e o pedido formal do Afeganistão de verba para reconstrução do Buda oriental. E terminou com uma declaração diplomaticamente elaborada pedindo mais estudos e uma pausa indefinida no trabalho de restauração.
Ou, como Ghulam Reza Mohammadi, funcionário de campo da Unesco em Bamiyan resume: “Os Budas jamais serão reconstruídos. O importante é a estabilização e preservação das ruínas como estão. O governo não tem condições nem de arcar com os salários de cinco seguranças, como prometeu.”
A girl picks weeds used for cooking from a potato field near the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A girl picks weeds used for cooking from a potato field near the Buddha complex in Bamiyan, Afghanistan, May 20, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Nenhum trabalho é feito no nicho oriental desde 2013, quando uma equipe de arqueólogos alemães começou a reconstruir os pés do Buda menor, usando novos materiais, o que gerou uma chuva de protestos internacionais no setor. O alarde foi tão grande que interrompeu o trabalho abruptamente.
Em outra parte do local há pedaços dos Budas trancados em armários, além de artefatos recuperados das cavernas, mas os afegãos não têm as chaves. “Um arqueólogo francês levou, aí se aposentou e simplesmente ignorou os apelos oficiais de devolvê-las. É como se alguém lhe pagasse um jantar, mas ditasse o que você tem de comer”, comenta Alawi, finalizando com um ditado persa.
Outro problema é que ninguém sabe até que ponto um Buda restaurado estaria seguro, já que o Afeganistão continua em guerra e seu governo vai de mal a pior. O governador de Bamiyan, M. Tahir Zohair, defende a reconstrução apenas do Buda menor, mas sabe que a comunidade internacional teme que o Talibã volte a destruí-lo.
A full moon illuminates a Buddha niche in Bamiyan, Afghanistan, May 19, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
A full moon illuminates a Buddha niche in Bamiyan, Afghanistan, May 19, 2019. Since the Taliban destroyed the two giant statues in March 2001, the degradation has continued, as Afghanistan and the international community have spent 18 years debating what to do to protect or restore the site. (Jim Huylebroek/The New York Times)
Resta a opção do holograma.
Depois do pôr do sol, em uma segunda-feira recente, Alawi preparou o projetor para uma demonstração que, durante quinze minutos, preencheu a escuridão do nicho ocidental com a imagem imensa de Solsol, a palma da mão esquerda para a frente, visível em todo o vale.
Arif Taquin, artista local de 28 anos, correu para lá. “Da primeira vez que vi, até chorei. E toda vez que volto a ver me emociono de uma maneira diferente, mesmo sendo em 3D. Talvez por pensar que tínhamos as estátuas e as perdemos.”
Quando acabou a energia do gerador e as luzes se apagaram, só o que se via eram, como Taquin descreveu, “todos aqueles andaimes medonhos”.
Projeção 3D da estátua de Buda destruída pelo Talibã. Foto: Jim Huylebroek/The New York Times
Projeção 3D da estátua de Buda destruída pelo Talibã. Foto: Jim Huylebroek/The New York Times

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