Arquitetura

Entrevista: Gaetano Pesce

Daliane Nogueira
04/08/2011 03:24
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Bem acomodado, o arquiteto exibe sua poltrona Feltri | ph. g.malgarini info@malgarini.

O rosto sisudo esconde uma das cabeças mais criativas do design contemporâneo. E quando começa uma boa conversa, sempre com respostas contundentes, o arquiteto italiano Gaetano Pesce, radicado em Nova York, mostra-se um defensor do significado de um móvel ou objeto em detrimento da função.
Natural de La Spezia, na região da Liguria, estudou arquitetura e desenho industrial em Veneza no início da década de 1960 e foi um dos fundadores do grupo de artistas envolvido na arte emergente do movimento Bauhaus, escola alemã de artes visuais e arquitetura.
Logo na apresentação, antes da entrevista que concedeu ao Viver Bem Casa & Decoração durante uma visita a Curitiba, ele se coloca como um profissional multi e interdisciplinar.
Algumas peças de Pesce estão nos acervos do Museu de Arte Contemporânea de Nova York (MoMA), do Victoria and Albert, em Londres e do Centro George Pompidou, em Paris.
A passagem pela capital paranaense, no mês passado, foi um convite da Associação de Decoração Ponto de Apoio para uma palestra (com lotação total) no auditório do Museu Oscar Niemeyer.
Em um momento onde tudo parece descartável e que as mudanças acontecem rapidamente, como é ser responsável por peças com design eterno?
Introduzi nos meus objetos a ideia do erro do defeito, que é algo essencialmente humano. Somos todos cheios de defeitos. Quem esconde os defeitos cria beleza abstrata que é muito vazia. O que quero dizer é que, dando valor ao defeito, cria-se um novo conceito de beleza. E acredito que isso torna meu trabalho reconhecido.
É isso que dá identidade aos produtos?
Creio que sim. O design não é só função, é uma expressão da arte. Através do design é possível expressar-se politicamente, por exemplo. Outro ponto da identidade de um móvel é territorialidade. Os produtos que são brasileiros, que fique claro que são brasileiros, por meio dos materiais ou da forma. Espero que o design industrial comece a ser capaz de exprimir sua origem, identidade e o ponto de vista de seu autor. Os projetos devem comunicar e não apenas permanecer na superfície, é preciso profundidade. E uma vez que os produtos estejam comunicando, conseguiremos entender mais sobre a identidade dos lugares e dos autores.
Como é ser tão popular entre os jovens designers, depois de mais de 50 anos de carreira?
É muito interessante e também uma responsabilidade. Busco no meu trabalho a inovação constante e isso infelizmente é raro no cenário do design e da arquitetura.
Há alguma solução à vista?
Precisamos de uma nova escola de pensamento. É algo urgente. Os estudantes precisam recuperar a confiança na criatividade e ter comprometimento com a curiosidade e com a experimentação.
Você já projetou prédios, cadeiras e até sapatos (sandálias para a Melissa na coleção 2010). Qual a diferença na criação desses produtos?
A escala muda, mas o conteúdo é o mesmo. Quando estudei em Veneza, uma das matérias era História da Arquitetura e tive que ler um livro chamado From the Spoon to the City (Da colher à cidade) que trata desta problemática. Olho para qualquer trabalho sem preconceito e só crio quando tenho uma boa ideia.
A poltrona Donna, sua criação, é bastante copiada. Como avalia esse processo?
É natural e uma forma de reconhecimento do trabalho. Mas em minha opinião o futuro será feito de coisas originais. Acho que esse movimento de cópias, que emergiu com a globalização, deve acabar.
O senhor sempre comenta não gostar de materiais tradicionais, como a madeira. Qual o material do futuro no design de móveis?
Meu olhar está direcionado para texturas líquidas, que ficam sólidas após algum processo. Trabalho com resina e espuma de poliuretano, silicone e borracha. Penso que o nosso tempo é um tempo líquido, não é um tempo rígido, é um tempo elástico. Nós mesmos somos feitos de líquido, e, portanto, o que é vital é líquido.
As evoluções da arquitetura e do design estão na evolução dos materiais?
Com certeza. Tenho preferência por materiais do nosso tempo, principalmente os sintéticos, assim podemos ser incoerentes e imprevisíveis, a essência da sinceridade. Eu gostaria de convencer outros arquitetos a se envolverem mais com matérias-primas e interferirem mais neste processo.
O senhor acha que falta ousadia e inovação para a arquitetura?
Os arquitetos acabam fazendo tudo ao gosto do mercado. São capazes de exportar o mesmo prédio a vários países, ignorando as necessidades locais. Por ser uma arte muito cara a arquitetura muda muito devagar. Mas consigo visualizar no futuro casas feitas com espuma prensada de poliuretano rígido. É uma construção boa para lugares com terremotos, protege contra o frio e é muito barata. Além disso, pode-se trabalhar com várias densidades e transparências. O problema é que isso não se aprende na faculdade, por que as pessoas insistem em estudar apenas o velho, não o novo.
E como se dá a inovação?
Pela observação daquilo que a realidade oferece. Vendo se não existem outras necessidades que as pessoas ainda não perceberam. É por meio da curiosidade que o designer pode se tornar inovador. Por exemplo, nós estamos aqui em Curitiba, onde Jaime Lerner, que é arquiteto e urbanista de formação, foi um político inovador. E isto rendeu uma nova organização da cidade. A inovação é a base do progresso humano. Então, penso que, no meu trabalho, para não ser entediante, o mínimo que posso fazer é ser inovador.
O senhor comentou sobre urbanismo. Gostaria que falasse sobre a arquitetura informal das favelas?
Acho maravilhoso e acredito ser preciso olhar sem preconceito. O que se vê em favelas do Rio de Janeiro ou de Hong Kong não é desordem, é um caos aparente. As pessoas criam as moradias com muita criatividade, muitas vezes com materiais pouco comuns na construção. Isso não pode ser ignorado, deve ser observado e desta experiência é possível aprender, extrair ideias, além de ser necessário ajudar as pessoas a viver melhor.