História escondida

Arquitetura

Entidade e especialistas estudam remoção e preservação de mural inédito de Poty Lazarotto

CAU/PR*
18/07/2022 14:23
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Casas serem substituídas por novos e modernos empreendimentos são situações comuns nas grandes cidades. Mas o que se deve fazer quando um segredo é revelado na hora da demolição? Essa foi a resposta que precisou ser dada para uma casa que estava prestes a ser derrubada em uma valorizada rua, no nobre bairro Batel, em Curitiba.
Elaborado em 1972, o segredo da casa é um mural de 50 anos que retrata lendas brasileiras como a do Saci-Pererê e a do Boitatá. É uma obra de Napoleon Potyguara Lazzarotto (1924–1998), mais conhecido simplesmente por Poty. O artista curitibano marcou toda uma geração. Possui obras no Brasil e no exterior. Poty era amigo dos antigos donos da residência.
O painel de 3,6 m x 2,4 m está pintado no subsolo da casa, em uma parede estrutural complicada de ser removida. “A casa não estava em fase de demolição, mas de desmonte, com a retirada de portas, janelas e luminárias. Nesse período tivemos a surpresa de sermos procurados por uma jornalista que queria informações sobre o mural”, conta Fernando Coelho, diretor de marketing da construtora Porto Camargo, atual proprietária da casa e que pretende erguer um prédio de cinco andares no local. De acordo com ele, o mural não estava catalogado como uma obra oficial de Poty Lazzarotto e foi necessário iniciar um processo de investigação para constatar sua originalidade. “A construtora é essencialmente curitibana e sabe o valor que as obras do Poty têm para a cidade. Foi uma surpresa, mas nós encaramos como um bom presente, que precisa ser bem cuidado. Temos uma responsabilidade muito grande nas mãos e precisamos corresponder com o melhor procedimento possível”, completa.

O amparo institucional do CAU/PR na preservação do patrimônio

A história do mural chegou ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR), autarquia federal comprometida com a preservação do patrimônio histórico. O Conselho procurou a construtora assim que soube do caso. Por meio da presidência, ofereceu imediatamente seus conhecimentos e contatos com os melhores profissionais do setor para auxiliar na busca da melhor solução para a obra de arte. “A Porto Camargo foi muito correta desde a nossa primeira conversa. Buscaram profissionais capacitados para lidarem com a situação e fizeram o contato com a família do Poty para deixar em dia as questões de direitos autorais”, revela o presidente do CAU/PR, Milton Zanelatto. Ele conta ainda que a autarquia federal mediou o contato e a realização do escaneamento do mural. “É um equipamento especial que faz a leitura em 3D da obra e revela detalhes como a espessura e o número de camadas da pintura”. Zanelatto afirma ainda que o CAU/PR pretende ficar com o mural e levar a obra para a sede da instituição, uma casa tombada projetada pelo arquiteto e urbanista paranaense Lolô Cornensen, no Alto da Rua XV, na capital paranaense. “O mais importante é a preservação desta obra de arte. Se ficar com a gente, obviamente daremos um excelente destino para o painel. Vamos primar pela possibilidade de divulgação, de estudos e de visitação do mural”, promete o presidente do Conselho de Arquitetura.

Proteção e retirada da obra do local

A partir da chamada “descoberta” da obra de arte, a construtora foi em busca de restauradores, advogados e manteve contato com entidades ligadas à preservação do patrimônio histórico. Agora, o trabalho de preservação foi dividido resumidamente em três fases: a primeira, a de documentação – para a catalogação e digitalização da obra de arte; na sequência, a proteção – para evitar pequenos danos e acidentes durante o trabalho dos especialistas e funcionários; há também a parte de engenharia – para a prospecção da remoção da obra de arte.
A restauradora Suely Deschermayer está à frente do trabalho de preservação. Ela relata alguns detalhes do trabalho de sua equipe. “O painel está pintado em duas cores: azul no fundo e branco nos desenhos. Primeiro fizemos uma limpeza superficial para a retirada da poeira do mural. Neste momento, nós estamos realizando o decalque da pintura, com filme de poliéster e canetinha permanente para o contorno dos desenhos. Além de ser uma segurança, essa cópia física permite uma possível reprodução real do painel em outro local”, explica Suely.
Antes do decalque, a fotógrafa Ana Barros, especialista na área, tirou retratos em alta resolução, com luz visível e fotografias em infravermelho do painel. “Essas imagens podem nos ajudar a revelar o que tem até mesmo atrás da obra. A princípio a pintura está intacta, com intervenções feitas apenas pelo Poty. Há alguns sulcos, riscos profundos, que foram feitos pelo artista e delimitaram o painel”, conta a restauradora.
Depois do decalque, o filme de poliéster vai ser retirado e guardado. Será realizado o “faceamento”, com a adesão de um papel japonês e de um adesivo no painel. A parede será protegida com espuma e chapa de madeira. “Vamos abrir um buraco na parede lateral do painel para investigar o que existe atrás dela, como terra, muro de arrimo ou alguma outra coisa”. De acordo com Suely, essa pesquisa permitirá saber como a parede pode ser retirada da casa, com proteções na frente e por trás do mural. Haverá a escavação no chão, até que a parede seja colocada em um caminhão guincho. “O trabalho está apenas no começo. A casa ainda precisa ser demolida, por isso a necessidade de proteção do mural. Há, pelo menos, cerca de seis meses de trabalho ainda”, completa.
O empresário Rozério Alberto Machado, sócio-proprietário da RA Machado Construções Civis LTDA, responsável pela remoção do mural, explica que está sendo feita uma análise e um levantamento detalhado para a operação especial elaborada para cuidar do patrimônio cultural de Poty encontrado na casa do bairro Batel. “Tudo vai depender da estrutura que está em volta da parede. É preciso manter as vigas e colunas inteiras, além de colocar uma estrutura metálica de proteção. Será feita uma sondagem na fundação para sabermos onde a parede está apoiada”, explana.
Machado não dá garantia de 100% para o sucesso do trabalho, mas acredita que a chance é grande, e beira os 70%. “Já encontramos situações mais complicadas e conseguimos remover painéis por inteiro. É um trabalho que necessita de muito cuidado, já que o peso é grande e a parede corre o risco de ser trincada. Não é só chegar lá, cortar as paredes e colocar no caminhão guincho”, adverte.
O advogado do sindicato dos Arquitetos e Urbanistas Paraná, Ramon Bentivenha, ressalta que a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural é uma previsão constitucional e deve ser garantida pelo Poder Público. O destino do painel do Poty ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná vai ao encontro desse cuidado primoroso dado ao mural do artista. “O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná está empenhado em buscar meios jurídicos para garantir a integridade e a preservação dessa obra de arte. Existem negociações avançadas para que o painel seja formalmente doado ao CAU/PR. Isso permitirá que, futuramente, ele seja exposto para todos aqueles que desejarem vê-lo e, assim, preservado pela instituição e pelos melhores arquitetos do nosso estado”, finaliza o advogado.
*Artigo produzido pela equipe do CAU/PR