Arquitetura
Em meio a polêmicas substituições no Iphan, novo indicado no PR desabafa: “Não vendo pipoca”
Centro Histórico de Paranaguá, tombado pelo instituto no Paraná. Foto: Iphan-PR/Divulgação
A nomeação de novos superintendentes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em quatro estados tem gerado questionamentos e críticas por parte de entidades ligadas ao patrimônio. No dia 18 de setembro, foram publicadas em Diário Oficial as decisões do ministro da Cidadania, Osmar Terra, da exoneração dos atuais superintendentes e da nomeação de novos profissionais para o cargo nos estados do Paraná, Goiás, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul. Os nomeados têm sido criticados por não terem a capacidade técnica necessária para exercer o cargo.
Em nota, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e mais outras oito entidades da área da arquitetura, arqueologia e patrimônio repudiam a mudança e justificam que os nomeados são “agentes públicos sem formação e sem experiência para compreenderem o Patrimônio Cultural brasileiro e a riqueza da cultura popular do nosso país”. Veja a nota na íntegra ao fim da matéria.
No Paraná, o arquiteto e urbanista José Luiz Desordi Lautert, funcionário de carreira no Iphan-PR desde 2006 e superintendente do instituto desde 2016, dá lugar ao engenheiro civil Leopoldo de Castro Campos. A posse oficial deve acontecer em aproximadamente 30 dias.
Lautert é formado em Restauração de Monumentos Arquitetônicos pela Universidade Politécnica da Catalunha (Espanha) e em Gestão Técnica do Meio Urbano pela Universidade de Compiège (França) e PUCPR. O arquiteto também já passou pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná e pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
Procurado pela reportagem, Lautert preferiu não comentar o ocorrido.
“Só é contra minha nomeação quem não me conhece”
O novo indicado topou falar com a reportagem e desabafou. “Não vendo pipoca nem cachorro quente. Eu tenho conhecimento técnico. Sou um cara da área. Sou engenheiro civil com 47 anos de experiência na iniciativa pública e privada. No Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), fiz mais de 4 mil quilômetros de estradas. Na Secretaria de Obras Públicas de Curitiba, na gestão do Cássio Taniguchi, participei de obras de restauro e conservação. Comigo, fomos a primeira secretaria do Brasil a implantar a certificação ISO”, explica, além de destacar sua atuação na Secretaria de Meio Ambiente sob a gestão de Jaime Lerner e no Porto de Paranaguá sob o governo de Roberto Requião. “Só é contra minha nomeação quem não me conhece.”
Questionado sobre as críticas, Campos diz que são reação de “um nicho de corporativismo de quem acha que o patrimônio histórico e cultural é exclusivo da arquitetura. Faz parte da engenharia civil também. Obedeço as normas e valorizo a lisura, o procedimento sistêmico. Sou apolítico. Já saí de equipes por não concordar como os processos eram tocados.”
Políticos se mobilizam contra a mudança
A deputada federal Christiane Yared (PR), que na época indicou Lautert para o cargo, é radicalmente contra a alteração. Por meio de assessoria de imprensa, a parlamentar informa que em 2016 preferiu não fazer indicação política por acreditar que esses cargos devem ser ocupados por pessoas com conhecimento técnico e de carreira.
A Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) também se posiciona contra a mudança, segundo o deputado estadual Goura Nataraj (PDT), que integra o grupo de trabalho na Alep.
A reportagem apurou que, nos bastidores, alguns nomes da bancada paranaense no Congresso já se articulam para que o ministro reveja a nomeação.
A nível nacional o Iphan afirma em nota que não tem informações sobre os novos superintendentes, uma vez que as nomeações foram feitas diretamente pelo Ministério da Cidadania. Até o fechamento desta reportagem, o ministério não havia se pronunciado sobre a decisão.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que os cargos em comissão são de livre nomeação e exoneração (Art. 37, II). Já o Decreto nº 9.727 de 2019 dispõe sobre os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação desses cargos.
Procurado pela reportagem, a Procuradoria Geral de Goiás (PGE-GO) afirma ter um procedimento sobre as exonerações em análise pela procuradora Léa Batista de Oliveira Moreira Lima — que atua na área de meio ambiente e patrimônio histórico e cultural vinculada à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. Até o momento, a PGE-GO não divulgou mais informações.
Nota de repúdio às exonerações no Iphan
“O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FENEA), o Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos Brasil), a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Anparq), a Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno (Docomomo Brasil) e a Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) vêm expressar à sociedade brasileira seu repúdio aos ataques promovidos pelo Governo Federal ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com a substituição de seus superintendentes estaduais por agentes públicos sem formação e sem experiência para compreenderem o Patrimônio Cultural brasileiro e a riqueza da cultura popular do nosso país, como ocorreu com as recentes nomeações dos Superintendentes do Iphan nos Estados de Goiás e Paraná e no Distrito Federal (Diário Oficial da União de 18 de setembro de 2019).
A atual administração do país, por meio da nomeação de pessoas sem formação ou experiência, busca desmontar o IPHAN, extinguindo as políticas de preservação construídas ao longo de 82 anos. As ações contra os servidores públicos e contra a estrutura do Estado Brasileiro atingem e prejudicam as políticas públicas do país e não atendem ao interesse público. O apagamento da memória e degradação do ambiente urbano prejudicarão toda a população do Brasil, de modo irreversível.
Defendemos a valorização das carreiras de servidores afeitas à preservação de nosso patrimônio cultural, com critérios que respeitem o Estado Democrático de Direito e a Constituição Federal de 1988.
Convocamos todos os arquitetos e urbanistas, historiadores, arqueólogos, antropólogos, sociólogos e demais especialistas no campo do patrimônio cultural, servidores públicos, organizações e lideranças populares para se mobilizarem em defesa do Iphan, contra a nomeação sem critérios técnicos objetivos para os cargos de definição de políticas de preservação do patrimônio cultural material e imaterial.
Nivaldo Andrade Junior – Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)
Cícero Alvarez – Presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA)
João Carlos Correia – Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA)
Luciana Schenk – Presidente da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP)
Diretoria da Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FENEA)
Leonardo Barci Castriota – Presidente do Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos Brasil)
Angela Gordilho – Presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (Anparq)
Renato Gama-Rosa Costa – Coordenador da Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno (Docomomo Brasil)
Jorge Eremites de Oliveira – Presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)”