Entrevista

Arquitetura

“Edifício é diálogo e o empenho em se fazer entender, um fato arquitetônico”, defende Angelo Bucci

Cristina Seciuk
04/01/2023 19:59
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“Autoral em arquitetura sempre quer dizer um monte de gente. […] É como se o edifício fosse uma cristalização do diálogo dessas personalidades que se envolvem no processo”, frisa Angelo Bucci a HAUS | Carolina Werneck Bortolanza/Divulgação

Um dos arquitetos brasileiros mais respeitados da produção contemporânea, Angelo Bucci reforça reiteradamente que um projeto é diálogo e que o uso do termo "autoral", para ele, deve fazer referência à ideia de que é uma arquitetura "feita por pessoas", no plural.
Fundador e diretor do escritório paulistano SPBR Arquitetos, Bucci é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e assina seu primeiro empreendimento em Curitiba, o 'blōma', a ser erguido no Ecoville pela incorporadora curitibana L´Espace. Em entrevista exclusiva a HAUS, ele falou sobre os caminhos atuais da arquitetura.
"Autoral em arquitetura sempre quer dizer um monte de gente. [...] É como se o edifício fosse uma cristalização do diálogo dessas personalidades que se envolvem no processo. Neste sentido eu gosto muito [da escolha do termo] porque humaniza o fato arquitetônico. Diferentemente de uma ideia que muitas vezes você vê apropriada quando se usa a ideia [de arquitetura autoral] como se fosse uma grife, que distancia e descola a arquitetura do que é o fazer das pessoas", arremata.
Nesta linha, Angelo Bucci defende o fortalecimento de projetos menos pasteurizados e exemplifica a partir do empreendimento desenhado para o Ecoville. “Eu gostaria de pensar que o convite que nos foi feito para trabalhar em Curitiba nos deu a oportunidade de fazer um projeto que não faríamos exatamente assim em São Paulo; mas também espero que possa trazer a Curitiba um edifício que não se faria exatamente assim sem a nossa participação”.
Ele
completa:
“Gosto muito dessa ideia no sentido de que humaniza o edifício, aquilo que a arquitetura constrói. E acho muito interessante dizer que isso se distingue de uma produção como se fosse de linha que, do ponto de vista da arquitetura, é uma produção que quase dispensa o humano. É quase como que as coisas podem ser feitas independentemente de quem esteja ali. Não tem critérios de escolha, de beleza, ela [a arquitetura não autoral] é medida de uma eficiência que é completamente descolada dos propósitos da arquitetura. Neste sentido, é muito interessante [pensar que] você faz as coisas e elas são registros de camadas de entendimento sucessivas, com uma quantidade de interlocutores enorme. E isso fica registrado. [Quando] um arquiteto olha um prédio, vê o trabalho que foi feito neste sentido: o quanto você conversou ou o quanto não conversou. Isso fica construído. A falta de paciência, por exemplo, é um fato arquitetônico, [assim] como o empenho em se fazer entender vira um fato arquitetônico”.
O diálogo mencionado por Bucci como parte fundamental para a formatação de um projeto traz ainda outra interação, futura: a da obra acabada com seu entorno, e abre espaço para uma avaliação sobre os perigos de uma "arquitetura de moda".
"Uma vez que o edifício está inserido num contexto urbano, aquilo dialoga com os outros, com as pré-existências e com o que vem depois, como se fossem os próprios edifícios os atores dessa interlocução. Essa compreensão muitas vezes determina a longevidade, o sucesso [de um projeto], porque a vida de um edifício não deixa de ser uma prova dos seus critérios de validade. Às vezes se diz que a arquitetura é muito sujeita às oscilações de momento, como se fosse de moda, mas na verdade isso não é muito viável. Se a arquitetura se deixa seduzir muito por coisas momentâneas, ela fica com uma vida muito encurtada. Isso é quase que a definição do que nós chamamos de clássicos. Prédios não envelhecem, mas os prédios não envelhecem quando têm critérios de validade que perseveram".
A avaliação, no entanto, não ignora avanços e inovações. O farol da sustentabilidade é, segundo Bucci, talvez a palavra mais relevante para se pensar arquitetura na atualidade, desdobrando-se não apenas para o papel, mas atingindo os canteiros de obras e toda a vida de um imóvel.
"Essa noção está muito ligada a uma consciência ambiental, é superatual e tem transformado o modo como a gente se coloca no mundo. A gente começa, inclusive, a compreender a própria cidade como uma espécie de jogo de forças, muito mais do que um desenho. Hoje, a compreensão da arquitetura é muito mais a imagem, no sentido de o que aquilo significa do que do desenho propriamente dito. Você vai caminhando junto com isso", afirma.
Como exemplo, Bucci cita o absurdo que significa se projetar uma torre de vidro e garantir o conforto térmico com uso de ar-condicionado. "É uma coisa, hoje em dia, completamente inaceitável, que condena a vida do edifício". A partir desta noção, o arquiteto se diz entusiasta de certificações como o Procel Edifica, programa nacional de eficiência energética instituído em 2003 e que promove o uso racional da energia elétrica em edificações desde sua fundação com o objetivo de incentivar a conservação e o uso eficiente de recursos como água, luz e ventilação, reduzindo desperdícios e impactos ambientais.
"Aqui já tivemos modificações importantíssimas, como quando passa a vigorar a norma de desempenho para os edifícios. É interessante, inclusive, porque obriga que entre no processo de projeto profissionais e especialidades que antigamente dependiam de uma questão de escolha - e as coisas mais interessantes do fazer arquitetônico estão na discussão dos critérios daquilo que depende de escolha. Mas as normas vão melhorando a qualidade como comum, difundida, o ordinário vai subindo de nível. É um processo inexorável. Não há como voltar, este tema veio de um modo muito definitivo e os países vão caminhando todos na mesma direção".