Arquitetura
Edifício Gaudí: um prédio fora da curva na paisagem de Curitiba
Na fachada do edifício, há referências a detalhes vistos em grandes obras do espanhol Antoni Gaudí, como a Sagrada Família, Casa Milá, Casa Battló e o Park Guell. Foto: Letícia Akemi / Gazeta do Povo. | Gazeta do Povo
Em meio a um mar de prédios retangulares, o Edifício Antoni Gaudí se diferencia por suas formas pitorescas. Os coloridos mosaicos cerâmicos que cobrem partes da fachada de formatos curvos, janelas com vitrais e colunas delgadas coroadas por capitéis dourados são alguns dos elementos do prédio que fazem referência às obras do arquiteto catalão que dá nome ao imóvel. Finalizada em 1995, a edificação residencial tornou-se um marco da Rua Desembargador Motta, além de um dos prédios mais emblemáticos de Curitiba. As opiniões sobre o edifício, porém, nunca foram unânimes: há quem o eleja como um dos mais interessantes da cidade, enquanto outros defendem que é uma obra de mau gosto estético. Para o arquiteto Frederico Carstens, o prédio é um dos principais marcos da arquitetura pós-moderna na capital paranaense, estilo que sempre levantou controvérsias. “Não seria usual que esse edifício tivesse a aprovação de todos”, comenta.
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O arquiteto Bruno de Franco, que assinou o projeto em conjunto com o arquiteto Sérgio Luiz Silka, não se importa com as críticas. São dele também outros projetos fora da curva em Curitiba, como o Suíte Vollard – o famoso prédio giratório que nunca foi habitado –, e os edifícios Salvador Dali, Andy Warhol e Marc Chagall, também inspirados nas obras dos artistas que os nomeiam. “Alguns consideram o Edifício Gaudí uma obra kitsch, de mau gosto. Não importa, quem mora lá adora o edifício”, conta Franco. Ele revela que até o mais famoso ex-treinador de vôlei brasileiro já integrou o rol de residentes satisfeitos. “Quando o Bernardinho foi convidado para treinar a equipe de voleibol em Curitiba, disse que só viria à cidade se fosse para viver no Gaudí. E lá ele viveu feliz”, diz ele.
O incomum não é restrito ao exterior do Edifício Gaudí. Uma vez dentro de um dos apartamentos, é preciso se acostumar com as curvas inusitadas de cada ambiente, muito diferentes dos cômodos retangulares a que estamos habituados. Para quem mora ali, usar mobiliário produzido em série dificilmente é uma opção. A professora de educação física Bernardete Firakowski e sua família foram os primeiros moradores do prédio, onde residem até hoje.
Ela conta que os móveis sob medida que encomendou na época em que se mudaram nunca foram trocados. “Não tenho coragem de mudar os móveis de lugar. A pessoa que os fabricou sofreu muito para fazer no formato certo, eles acompanham as curvas das paredes. Acredito que seria bem mais complexo para mandar fazer hoje”, afirma. Contudo, Bernardete orgulha-se de morar ali. “Apesar de ter 23 anos, o prédio ainda chama bastante atenção. Na época ele revolucionou pelo estilo. Às vezes eu estou passeando com o meu cachorro e o pessoal que passa em frente fica olhando, tira foto”.
Vanguarda
Críticos e admiradores à parte, é inegável que o projeto foi ousado ao ir além dos padrões imobiliários adotados nos anos 1990. De acordo com Franco, o Edifício Gaudí foi o primeiro do Brasil projetado com paredes divisórias em drywall. A escolha pelo uso do material não se deu simplesmente para acelerar a obra, mas como uma estratégia para permitir alterações na planta a critério dos moradores. “Precisávamos de flexibilidade para mudar o layout, acabar com o quebra-quebra e fazer uma obra limpa. Por que um solteirão teria que viver em um apartamento familiar convencional de três quartos? Então foi a vez do drywall, que introduzimos comercialmente na indústria da construção civil brasileira. Antecipamos tendências e rompemos os padrões construtivos da época”, conta o arquiteto.
Outra característica importante do Edifício Gaudí é a multiplicidade de formas de seus apartamentos, distribuídos em dez andares. Enquanto a maioria das incorporadoras opta por unidades iguais, com exceção das coberturas, Franco desenhou apartamentos com metragens e ambientes significativamente diferentes um do outro em cada pavimento. Ao todo, o prédio conta com 16 diferentes tipos de plantas. Em sua dissertação de mestrado, Carstens analisou a arquitetura vertical pós-moderna na Curitiba dos anos 1980 e 1990, e sublinhou que a homogeneidade de prédios acarreta uma homogeneidade social dos moradores. “No Antoni Gaudí, diferentes opções nas plantas dos apartamentos significam oportunidade de formar um grupo mais interessante ou no mínimo heterogêneo como condôminos do prédio”, afirma.
A dissertação de mestrado do arquiteto e professor da PUCPR Fabiano Borba Vianna também teve o Edifício Gaudí como um dos objetos de estudo. Para ele, a variação das unidades foi uma forma de responder à tendência de diversificação dos arranjos familiares, não mais amparadas apenas pelo formato da família nuclear tradicional. Além disso, ao contrário dos apartamentos padrões em que o setor social, íntimo e de serviço estão dispostos de forma a garantir total independência entre eles, os apartamentos do Antoni Gaudí possuem maior interação entre as áreas. As residências são compostas por um amplo ambiente circular, que, por exemplo, se ligam à cozinha de estilo americano totalmente integrada – algo comum nos dias de hoje, mas que rompeu com a segregação desta área que era o padrão na época.