Arquitetura
É madeira de lei
Projeto contemporâneo da arquiteta Andréa Berriel para uma casa de três andares construída com estrutura de concreto armado e fechamento com pinus
“Você mora em uma casa de madeira?” A indagação com ar de surpresa é ouvida com frequência pela psicóloga Marily Bastos Dalla Vecchia, 56 anos, que há 13 anos escolheu morar em uma casa de madeira no bairro Bom Retiro. “Estou até acostumada. Mas quando entram na minha casa, o encantamento é imediato e o receio acaba. A madeira é viva e envolve as pessoas”, afirma.
O espanto e a certa dose de preconceito, embutidos no questionamento, têm explicação histórica. O arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Key Imaguire Júnior dedicou alguns anos de pesquisa, junto da esposa, a também arquiteta Marialba Rocha Gaspar Imaguire, para mapear, registrar e categorizar a arquitetura tradicional em madeira no estado, especialmente a que usa araucária para a construção. “A casa de madeira é um produto cultural do ciclo econômico da madeira no Paraná (fim do século 19 e início do século 20). Era um material abundante em todo o estado e o que havia disponível para construção. A população, representada em grande parte pelos imigrantes europeus, usou o material em larga escala e, de certa forma, ficou ligado a uma construção para pessoas mais humildes”, aponta Imaguire, autor do livro A Casa de Araucária.
Apesar de o estranhamento em relação às casas feitas com tábuas e mata-juntas no início do século passado ainda persistir, a arquitetura de madeira vem reconquistando algum espaço na paisagem curitibana. Uma das principais vias desse retorno é a compreensão da madeira como alternativa sustentável, por se tratar de material renovável e utilizar pouca energia no processo de transformação se comparada aos outros materiais de construção. “As pessoas não terão resistência em construir com madeira se os profissionais e empresas da construção apresentarem boas soluções a preços acessíveis”, opina a arquiteta e professora da UFPR Andréa Berriel.
Com a colaboração do arquiteto Fernando Simas, Andréa é responsável pelo projeto de uma casa, próxima ao Parque Barigui, cuja estrutura é feita de concreto armado e o fechamento em pinus. “O uso da madeira foi um pedido do cliente, que é engenheiro florestal e decidiu experimentar em sua própria casa essa tecnologia. É a prova de que, quando se extraem as melhores características de cada material, é possível ter um projeto racional e eficiente”, aponta.
Com vida
Quem escolhe viver em uma casa de madeira, se acostuma com o movimento, em oposição à dureza do concreto. Madeira trabalha, faz barulho e solta cheiro. É justamente por respirar, que o material tem a capacidade de absorver e de restabelecer a umidade do ambiente gerando conforto térmico.
Para a construção durar, recomendam-se madeiras de alta densidade e resistência contra fungos e cupins. “Todas as espécies são boas, contanto que sejam tratadas e usadas adequadamente para não comprometer a casa”, lembra o gerente comercial da Nossa Casa, especializada em casas de madeira, Marcos Santos. Algumas espécies nativas, como jatobá, cumaru, itaúba, grápia e cambará, são mais resistentes às pragas. O uso de espécies exóticas e mais baratas, como pinus e eucalipto, também é possível, desde que elas sejam tratadas quimicamente antes da construção.
Em relação aos custos, segundo Santos, a construção no sistema pilar-viga é mais cara por trabalhar com espécies nativas. “É possível fazer uma casa de madeira maciça (grápia), no sistema macho-fêmea de encaixe com preço a partir de R$ 1.150 o metro quadrado”, diz. Soluções como o wood frame (estrutura feita de perfis de madeira) são mais econômicas. O tempo de execução também influencia no resultado dessa conta. “Minha casa tem 300 m² e foi concluída em 120 dias. Esse prazo seria impossível se optássemos pela alvenaria”, conta Marily Dalla Vecchia.
Planejamento
Para Andréa, antes de começar a construir, é preciso cuidar para que a madeira fique protegida ao menos 30 cm do solo e pensar em pingadeiras nas janelas e interfaces entre as peças, para evitar acúmulo de umidade. Além disso, há ainda a dificuldade de mudar a planta depois do início da execução, especialmente quando se opta por uma casa de madeira maciça. “As peças vêm cortadas nos tamanhos exatos para o projeto e qualquer mudança implica nova compra de madeira, que exigirá um novo trâmite junto ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)”, lembra Marcos, explicando o processo de aprovação da compra de madeira legal com manejo sustentável. Para se certificar da origem da madeira, é preciso conferir o Documento de Origem Florestal (DOF).
Sustentabilidade
De acordo com a arquiteta, as espécies nativas, excelentes para construções, estão em risco de desaparecer, caso não sejam empregados mais esforços no manejo florestal. “O que pouca gente sabe é que toda árvore tem um ciclo de vida e morre com 30, 40, 50 anos, dependendo da espécie. O que acontece é que, quando as árvores morrem no meio da floresta, elas se decompõem, liberando todo o carbono que foi capturado ao longo de seu crescimento. Com o manejo sustentável, as árvores são retiradas no momento certo. Isso cria dinamismo nas florestas”, explica.
O número de construções em madeira no Brasil ainda é pequeno, devido a vários fatores que vão desde a forte tradição em construções de alvenaria, herdada dos portugueses, até a falta de valorização da madeira como material de construção nos cursos de arquitetura e engenharia.
Casas de madeira
Serviço:
• Nossa Casa, fone (41) 3253-4655.
• Ambienta Arquitetura, André Largura e Giovana Kimak, fone (41) 3222-7407.
• Andréa Berriel, andreaberriel@yahoo.com.
• Ambienta Arquitetura, André Largura e Giovana Kimak, fone (41) 3222-7407.
• Andréa Berriel, andreaberriel@yahoo.com.