Carlos Alcantarino

Arquitetura

Designer que revelou hábitos e moradias dos ribeirinhos da Amazônia cria luminária de cristais de quartzo

Luan Galani
27/10/2022 20:59
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A exposição “Caboclos da Amazônia – Arquitetura, Design e Música”, concebida pelo designer paraense Carlos Alcantarino, celebrou o universo dos ribeirinhos da Amazônia, revelando seus hábitos, moradias e tradições | Carlos Alcantarino

Revelar o Brasil profundo e desconhecido é a grande cruzada de vida de Carlos Alcantarino, hoje com 64 anos. Nascido em Belém do Pará e radicado no Rio de Janeiro há quase 40 anos, o engenheiro civil e designer autodidata esteve em Curitiba recentemente para lançar a luminária Kripton, uma peça limitada feita de cobre e cristais de quartzo, a convite da Ideally Iluminação e da produtora cultural Consuelo Cornelsen para o projeto Iluminar com Arte.
HAUS aproveitou a vinda de Alcantarino e conversou com o designer sobre sua vida e obra, em especial sobre sua última exposição, do primeiro semestre de 2022 -- "Caboclos da Amazônia: Arquitetura, Design e Música" --, que revelou hábitos, tradições e moradias dos ribeirinhos da Amazônia após anos de pesquisas. O projeto foi patrocinado pelo Instituto Cultural Vale por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Confira!
Carlos Alcantarino e a luminária Kripton, na Ideally Iluminação
Carlos Alcantarino e a luminária Kripton, na Ideally Iluminação

Como surgiu a peça Kripton?

Com a pandemia, me isolei. Fechei meu escritório no Rio e fui para minha casa na serra. Nunca tinha tido essa experiência. Eu estava bastante envolvido com a exposição, resultado de vários anos de pesquisa sobre a arquitetura cabocla. Fui várias vezes para Marajó, fiquei muito envolvido com esse projeto. Deu um alívio. E parei tudo para fazer essa luminária. Eu já fazia peças para mesa a partir dos cristais, mas sempre quis fazer uma luminária. Estava pronta na minha cabeça. É a única peça da minha vida que foi criada em sonho. [risos] Ela tem uma pegada mais de arte, com poucas unidades, apenas com materiais nobres. São 70 pedras formando um círculo e, pela própria característica geológica que faz com que cada cristal seja diferente do outro, são peças únicas realmente, com uma chapa de cobre e fio de LED.

Você é engenheiro civil. Como se deu sua entrada no universo do design?

Fui fazer um mestrado em Engenharia Civil no Rio de Janeiro em 1966. Trabalhei com administração, fiz uma pós em Administração Financeira e acabei abrindo um escritório com um designer que acabou vindo a falecer. A empresa ficou órfã e eu precisei sair da parte administrativa e começar a criar para dar continuidade. Hoje meu estúdio tem mais de 30 anos.

Na sua opinião, o design brasileiro é realmente valorizado? Ou ainda vale a ideia de que o brasileiro primeiro precisa fazer sucesso fora para só depois ser admirado no país?

Está mudando. Milão, por exemplo, já foi muito importante. Naquela época, era o início, e hoje estamos mais maduros. Temos milhares de estúdios com trabalhos muito bons. O design da madeira dos anos 1950 continua funcionando, são lindíssimos, são uma referência do design de luxo. Antes o Brasil copiava muito do que se lançava no exterior. Mas agora somos um pólo criativo. Veja Curitiba, por exemplo, começando com o Jaime Lerner, que inovou no desenho da cidade e virou referência para o mundo todo. Ele ajudou a criar uma consciência de desenho.

Muitos designers brasileiros gostam de defender um universalismo. Peças livres de regionalismos, sinônimos de criações maduras, que podem ser consumidas pelo mundo todo. O que você acha? É a favor de um regionalismo no design?

Acho que o regionalismo se tornou fundamental. Se mora no Nordeste ou no Sul, por exemplo, e não tem conexão com sua raiz, não tem nada a ver, está fora. Se não tem característica com seu local, perde a identidade. Acho importantíssimo. Se for tentar fazer algo que já fizeram, não vejo muito sentido.
Arquitetura cabocla é um dos últimos temas explorados pelo designer
Arquitetura cabocla é um dos últimos temas explorados pelo designer

E sobre o seu último projeto, que traça um raio-X cultural da Amazônia. Como surgiu?

Eu fiz vários projetos no Pará. Trabalhei com o Sebrae e a Vale. E nesses processos, eu vi os ribeirinhos e pensava que nem os arquitetos mais importantes de São Paulo fariam algo tão bem integrado quanto aquelas casas. Acabei pensando em um livro, que virou uma exposição sobre a arquitetura cabocla, esse conhecimento vernacular, anônimo, que se estende para o design e a música também.

Pode nos dar um exemplo do design caboclo?

As letras dos barcos. É puro design gráfico caboclo. Existem famílias que passam de pai para filho uma letra que parece vitoriana. Se você olha os barcos, existe uma grafia diferente ali. A exposição foi distribuída em quatro áreas, com mais de 300 peças que remetem a elementos da paisagem amazônica, como estilos das casas construídas às margens dos rios, as músicas mais tocadas nos bares de beira de estrada e as frases desenhadas.
Interior de casa ribeirinha na Amazônia
Interior de casa ribeirinha na Amazônia

O Brasil não se descobriu por completo ainda.

A Amazônia é ainda muito inexplorada. Há alguns anos fiz um projeto de inclusão social em uma balsa do Rio Amazonas. Era um espaço de 600 metros quadrados com diversas criações minhas. E a última sala era a mais importante: toda de material reciclado, onde as crianças poderiam ir para criar objetos a partir do que viram na exposição. É tirar da galeria e do museu. Tem muito mais a ver com o homem amazônico. O design não é elitizado. É o design acessível para todos. Foi um grande sucesso, mais de 400 crianças foram fazer o projeto na balsa.
Casa cabocla estudada por Carlos Alcantarino
Casa cabocla estudada por Carlos Alcantarino