Arquitetura
Conheça a história do prédio do Tribunal do Júri, palco do julgamento de Carli Filho
Fotos: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
Cotidianamente tímido, quando comparado aos seus vizinhos monumentais, o prédio do Tribunal do Júri, no Centro Cívico, tem atraído para si as atenções de curitibanos e brasileiros que acompanham o aguardado julgamento do ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho, réu pela morte de dois jovens após o carro que dirigia ter atingido violentamente o veículo em que as duas vítimas estavam, há quase nove anos.
A representatividade da edificação, no entanto, vai além do fato de ser palco de julgamentos polêmicos e de grande apelo popular, como o das “Bruxas de Guaratuba”, para citar outro exemplo. Construída na década de 1950, ela integra o conjunto de edifícios que compõem o Centro Cívico, coração administrativo do Governo do Paraná e patrimônio histórico tombado a nível estadual.
Centro Cívico
Primeiro do Brasil, o Centro Cívico de Curitiba foi idealizado nos anos 1940 e previsto dentro do Plano Agache. Foi na década de 1950, no entanto, que o projeto tomou corpo, sendo incluído pelo então governador Bento Munhoz da Rocha Netto (1951-1955) no pacote de obras que marcariam o centenário da emancipação política do Paraná, celebrado em 1953. Além do Centro Cívico, obras como a do Teatro Guaíra e da Biblioteca Pública do Paraná estiveram entre as realizadas no período.
O arquiteto curitibano David Xavier Azambuja, na época professor da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, era o nome encarregado de formar a equipe responsável por projetar o Centro Cívico. Dela participaram os também arquitetos Olavo Redig de Campos, Flávio Amílcar Régis do Nascimento e o ainda estudante de Arquitetura, Sérgio Rodrigues, como lembra a professora Josilena Maria Zanello Gonçalves, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em sua dissertação “Arquitetura moderna no centenário de emancipação política do Paraná: a construção de um marco de referência”.
Membros da chamada escola carioca de arquitetura, esses profissionais foram os responsáveis por implantar a linguagem moderna na arquitetura paranaense, também como forma de “representar a fase de prosperidade que o Estado atravessava”, como destaca Josilena.
“Esta equipe que veio do Rio de Janeiro, na época capital do país, era de uma geração inspirada pelo ideário da Arquitetura Moderna. Ela tinha contato próximo com o arquiteto Lúcio Costa [autor do projeto do Centro Cívico de Brasília], e este com Le Corbusier [tido como o pai da arquitetura moderna]. Estavam bem sintonizados com esta nova linguagem arquitetônica”, lembra Leonardo Oba, professor titular do curso de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Tribunal do Júri
O projeto do conjunto do Centro Cívico foi dividido em quatro partes distintas, cada uma assinada por um dos quatro arquitetos da equipe: Palácio do Governo e residência do governador; Palácio das Secretarias de Estado, Recebedoria e Pagadoria; Conjunto do Legislativo, composto pelos edifícios das comissões especiais, secretarias da Assembleia Legislativa e Plenário; e Conjunto do Judiciário, formado pelo Palácio da Justiça, Tribunal Eleitoral e Tribunal do Júri.
Este último ficou a cargo do arquiteto carioca Flávio Amílcar Régis do Nascimento e teve como única obra construída o edifício do Tribunal do Júri. Localizado à direita do Palácio Iguaçu, a construção foi erguida em bloco único e conta com apenas um pavimento. Sua planta tem forma trapezoidal e destaca as linhas arquitetônicas modernas.
“A forma do edifício é a típica dos auditórios modernistas, como o Teatro Guaíra, por exemplo. Sua estrutura interna, com paredes inclinadas [que favorecem a vista da plateia] transparece no lado externo da edificação e [destaca um dos principais] conceitos do modernismo: o de que a forma segue a função”, explica o arquiteto Salvador Gnoato, professor da PUCPR. “Suas linhas são muito sóbrias, não tem excessos ou ornamentos, assim como são todos os prédios do conjunto do Centro Cívico”, completa.
A fachada do edifício traz uma parede curva, de 23m x 12,8m, revestida com placas de mármore e contendo apenas uma abertura, a da porta de acesso ao tribunal. Segundo Oba, isso se deve à função específica do edifício e também à monumentalidade e simbolismo que norteiam os projetos dos prédios públicos, que apresentam linguagem distinta dos residenciais ou corporativos. “Se você insere muitas aberturas, tira a força da entrada principal, que é valorizada por esta maciço fechado”, acrescenta.
Plenário
Internamente, o plenário do Tribunal do Júri conta com um salão com 310 m² de auditório e uma área de 95 m² destinada aos debates de julgamento. No hall de entrada do público, por sua vez, estão presentes as escadas de acesso aos balcões.
O projeto assinado por Régis do Nascimento previa, ainda, a instalação de uma estátua de granito representando a Justiça na praça em frente ao Tribunal do Júri. A obra foi encomendada aos escultores Erbo Stenzel e Humberto Cozzo e executada em um único bloco de granito com quatro metros de altura, mas sua instalação neste endereço nunca ocorreu. Isso porque a representação da Justiça, nua e sem os olhos vendados, apresentada pelos artistas ofendeu os padrões morais da época, como lembra a professora Josilena em sua dissertação.
Assim, a Estátua da Justiça, mais conhecida como Mulher Nua, acabou tendo como destino a Praça Dezenove de Dezembro, na qual integra o conjunto de cinco monumentos assinados por renomados artistas plásticos paranaenses que também fazem referência à emancipação política do estado.