Arquitetura
Como a primeira arquiteta do Paraná desafiou um universo masculino
Aluna da primeira turma, Eleonora ajudou a tornar realidade o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPR. Fotos: Marcelo Elias/Divulgação | Marcelo Elias
Quem passa pelo número 38 da Rua Francisco Rocha, bem na esquina com a Avenida Visconde de Guarapuava, pode não saber, mas no terreno onde hoje a Construtora e Incorporadora Laguna levantará um edifício , morou a primeira arquiteta do Paraná. Eleonora Beltrão Barcik, cuja idade permanece guardada a sete chaves, é da primeira turma de Arquitetura e Urbanismo da UFPR, aberta em 1962.
Colou grau em março de 1965 com toda uma leva de modernistas ansiosa por fazer história. Mas ela não gosta de ser taxada como tal. “As coisas nascem e são o que são em sua época. Nunca na minha vida eu consegui catalogar o que fiz. Cada um tem um estilo próprio. O meu é atemporal.”
A admiração pela arquitetura começou cedo. Aos 13 anos, encantou-se com a rotina de trabalho ao ver de perto a atuação de um arquiteto na reforma da casa onde morava. Filha de Alexandre Gutierrez Beltrão, que foi prefeito de Curitiba entre 1943 e 1946 e que deu início à implantação do Plano Agache, viu as questões de urbanismo permearem os almoços de família.
No cursinho preparatório, depois de ter estudado apenas em colégio para meninas, teve ainda mais certeza da carreira. Mas o curso de Arquitetura ainda não era ofertado por aqui. O jeito foi caçar com gato e prestar vestibular para Engenharia. Entrou em 1960. A promessa era de que, após os dois primeiros anos, os alunos poderiam escolher permanecer em Civil ou seguir a formação em Mecânica ou Arquitetura.
Uma estranha no ninho
Naquela época, lugar de mulher ainda era em casa, e não na universidade, muito menos em um curso de Engenharia. Muitos não entendiam a escolha, outras achavam que Eleonora estava louca. A mãe, com medo da convivência da filha com tantos homens, mandou fazer roupas mais compridas.
Tanto a universidade não era pensada para mulheres que nem banheiro para as alunas havia no campus da Santos Andrade. Eleonora precisava pedir a chave do banheiro das funcionárias da secretaria. Ela também não saiu ilesa de comentários e atitudes. “Alguns abriam alas para eu passar, assobiavam”, lembra. “Fiquei um pouco assustada, mas eu sabia levar e tive apoio de muitos colegas, fiz bons amigos”, completa. Outro ponto foi a mudança de campus para o Centro Politécnico, por volta de 1961. Na época, o Jardim das Américas era fora da cidade, “só mato”, recorda.
Passados os dois primeiros anos, mais um obstáculo: o curso quase não saiu do papel. Não houve quórum para abrir uma turma, já que apenas seis estudantes optaram por seguir Arquitetura. “Batalhamos muito. Vi que tínhamos direito de exigir sua abertura”, confidencia. “Eram poucos os arquitetos em Curitiba na época, queríamos assumir o papel dentro da sociedade”, conta o arquiteto Domingos Bongestabs, que também fez parte dessa turma.
Para resolver o problema do quórum, a UFPR convocou engenheiros civis formados para se matricularem em Arquitetura caso desejassem obter uma segunda formação. Nessa leva de profissionais vieram nomes como o de Jaime Lerner.
Depois de formada, Eleonora trabalhou para empresas, abriu o próprio escritório, foi professora assistente no curso de Arquitetura e se especializou em Paris. Na década de 1970, de volta a Curitiba, conheceu o marido e os dois se mudaram para o Rio de Janeiro, onde hoje ela trabalha com urbanismo.
Em tempo: a primeira gangue de arquitetos paranaenses também contou com a presença de Teresinha Domingues de Souza, outra aluna que completou o curso, mas a reportagem não conseguiu localizar seus registros profissionais.
Brasil já era referência
O movimento para a criação do curso de arquitetura no Paraná condizia com o que o setor passava como um todo no país. O mundo queria saber o que nomes como Oscar Niemeyer estavam fazendo por aqui.
Uma prova está na edição raríssima de maio de 1957 da revista Correio dos Ferroviários, mantida pela Casa da Memória, da Fundação Cultural de Curitiba. Conforme consta na edição, na página 5, Gordon Graham, que foi membro e presidiu o Royal Institute of British Architects na década de 1970, falou sobre a arquitetura produzida no Brasil e no México durante uma conferência na Canning House (Conselho Hispânico Luso-Brasileiro), em Londres. “Os arquitetos brasileiros deram início a um novo estilo arquitetônico que, em muitos de seus aspectos, destina-se a servir de motivo de inspiração ao resto do mundo”, disse Graham.
*especial para a HAUS