Arquitetura
Dia do idoso: casas bem planejadas reduzem em 40% acidentes domésticos; confira dicas
Fotos: Rafael Renzo/Divulgação | RAFAEL RENZO
Levantar da cama, ir ao banheiro ou à cozinha durante a madrugada, alcançar a coberta guardada na prateleira mais alta do armário. Tarefas que parecem simples, e que fazemos quase que instintivamente diversas vezes ao dia, costumam se transformar em obstáculos quando atingimos a maturidade. Além da dificuldade de execução, elas ainda carregam o risco de provocar acidentes domésticos, que respondem por 70% das intercorrências que atingem as pessoas com mais de 60 anos, segundo dados do Ministério da Saúde.
Outro porcentual que chama atenção é o apresentado por um estudo realizado por profissionais da Universidade de São Paulo (USP) que aponta que 40% deles poderiam ser evitados caso as moradias fossem preparadas para receber e proporcionar conforto aos idosos. Mas, o que falta para que os imóveis possam responder às necessidades que passamos a ter quando atingimos a melhor idade?
Na opinião da arquiteta Flávia Ranieri, uma mudança de cultura comportamental e a disposição para fazer da residência uma ‘casa inclusiva’. “O Brasil sempre foi um país muito jovem e, culturalmente, sempre tivemos o pensamento de que, [ao atingirem a melhor idade], os pais iriam para a casa dos filhos. Então, ninguém nunca olhou para a velhice. Agora, a população está envelhecendo mais e melhor, o que faz dos idosos pessoas ativas, que viajam e têm voz – e não mais os velhinhos que ficavam em casa sentados na poltrona”, explica a profissional, pós-graduada em Gerontologia pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
Projeto
À frente do escritório Grou, que oferece consultoria e projetos de arquitetura para idosos, Flávia levou para a Casa Cor São Paulo o Estúdio da Longevidade, um “apartamento” que apresenta em 45 m² um conjunto de soluções (das mais simples às mais elaboradas) que facilitam e tornam mais seguro o dia a dia das pessoas que já chegaram à melhor idade, ao mesmo tempo em que mantêm sua privacidade e independência.
A livre circulação entre os cômodos, sem excesso de móveis e objetos que possam dificultar a movimentação, está entre elas. “Desentulhar o caminho é o primeiro passo. Um exercício que auxilia neste processo é o de entrar em casa e circular pelos cômodos formando uma espécie de corredor imaginário. Ele deve estar completamente livre, sem fios, tapetes ou móveis baixos que possam obstruir o caminho”, sugere a arquiteta.
Reorganizar os armários (subindo ou descendo nas prateleiras os objetos utilizados com mais frequência), instalar barras de apoio no banheiro (tanto na área do vaso sanitário como na do chuveiro) e dar atenção à altura da cama são outras medidas facilmente adotadas. Flávia explica que não há uma medida padrão para a organização/instalação dos objetos, móveis e equipamentos, mas que ela deve corresponder à altura dos moradores e às suas necessidades particulares. Para a cama, por exemplo, o ideal é que, ao se sentar, a pessoa possa apoiar os pés no chão de forma que os joelhos formem um ângulo de 90º. Segundo a arquiteta, isso evita que o idoso precise se esforçar demais ou jogar o peso do corpo para se levantar, o que contribui para a perda do equilíbrio e, consequentemente, para as quedas.
“A pessoa precisa ter uma conversa sincera consigo mesma, identificar quais são os seus hábitos e em que aspectos está tendo dificuldade, como cozinhar ou usar o banheiro. A partir disso, ela pode buscar soluções específicas para eles, além de investir mais nas direcionadas aos ambientes da casa que ela mais utiliza. Se uso muito o escritório, por exemplo, posso reforçar a iluminação e optar por uma cadeira com melhor ergonomia, na qual consiga permanecer por mais tempo de forma confortável”, ilustra.
O destaque dado aos objetos que fazem referência à memória afetiva dos moradores é outro ponto que merece atenção. Isso porque, segundo Flávia, eles proporcionam segurança emocional aos idosos e fazem com que eles se reconheçam naquele espaço, “transformando a casa em um lar”.
Tecnologia
Aliada da vida moderna, a tecnologia também contribui para trazer conforto e segurança aos idosos. No ambiente que Flávia assina na Casa Cor São Paulo, ela está presente em soluções como a fita de LED instalada no rodapé do armário. Acionada por sensor de movimento, ela funciona como iluminação noturna e indica o caminho da cama até o banheiro e a cozinha.
O fogão, por sua vez, foi ligado a um sistema de automação que, ao detectar fumaça e calor em excesso, liga as câmeras e emite um aviso ao morador e/ou demais pessoas cadastradas de que o eletrodoméstico foi esquecido ligado. As câmeras também permitem que os familiares visualizem à distância a rotina dos idosos (quando eles autorizam que isso aconteça) e, aliadas aos botões de pânico que podem ser espalhados pela casa ou a um colar com sensor de queda, avisam quando sofrerem algum acidente. Nestes casos, a automação ainda facilita o acesso dos socorristas ao imóvel, uma vez que o familiar consegue, mesmo à distância, destravar a fechadura eletrônica, fazendo com que a porta não precise ser arrombada.
“Muita gente que visita o espaço fala: ‘isso não é uma casa para idosos. É uma casa para mim’. E este é objetivo, não fazer da casa algo específico para os idosos, mas sim que inclua todas as pessoas. É uma casa com mais cuidado, que pode atender tanto uma pessoa da melhor idade como um jovem que quebrou a perna e precisa do auxílio de algum equipamento médico para se locomover, mesmo que temporariamente”, completa Flávia.
Preparação
Isso faz com que as preocupações em relação à qualidade espacial e estrutural da planta sejam levadas em consideração desde a juventude, pois o ideal é que na melhor idade o imóvel possa receber as soluções necessárias ao conforto e segurança sem que, para isso, seja necessária a realização de uma reforma de grande porte.
“A casa envelhece com você. Então, o ideal é que ela conte circulação ampla e portas com largura de 80 cm [que permitem a passagem de uma cadeira de rodas ou andador], por exemplo. Um armário você pode trocar com facilidade, mas eliminar uma parede para ampliar a circulação já é algo mais difícil de se realizar”, comenta Flávia.