Arquitetura
Casa que já foi considerada pornográfica pelos curitibanos está de cara nova
Foto: Cortesia Washington Cesar Takeuchi | Washington Takeuchi
Imóvel particular que deu início às intervenções do programa Rosto da Cidade – projeto de revitalização urbana da Prefeitura de Curitiba – a casa de Frederico Kirchgässner já está com uma nova cor. A construção, considerada a pioneira do modernismo no Brasil, passou de bege a amarelo e já está com o processo de pintura com tinta resistente a pichações em fase final.
O Rosto da Cidade vai recuperar uma área de aproximadamente 230 mil metros quadrados, englobando em sua fase inicial imóveis da região do bairro São Francisco, onde está a casa de Frederico Kirchgässner, localizada na esquina entre as ruas Portugal e 13 de Maio.
A construção foi projetada em 1929, no ano em que o arquiteto voltou de um período de estudos na Alemanha, e foi pensada para que ele pudesse morar com a esposa, a artista alemã Hilda Kirchgässner. Por 20 anos, a casa foi um ícone da arquitetura local, regional e nacional. “Dessa época até a década de 50, a casa tornou-se exemplar único, isolado”, disse Giceli Portela Cunico de Oliveira, autora da tese de doutorado “Restauro de duas casas modernistas como subsídio para um método”, no qual estudou justamente o projeto de restauro da casa Frederico Kirchgässner.
O formato único da propriedade, no entanto, demorou para ser admirado. “Há relatos de que foram tachados de futuristas (…). Naquela época, seria difícil encontrar um intelectual na cidade capaz de entender as referências do arquiteto, que não a adornou em nenhum momento”, diz Giceli em seu texto, complementando: “tampouco se pareciam com as obras paranistas ou ainda com as dos conterrâneos imigrantes que não conheciam nenhum daqueles elementos, ou seja, a casa parecia incoerente na paisagem, só mais tarde seria reconhecida como absolutamente revolucionária”.
Antes disso, no entanto, os Kirchgässner cansaram de receber olhares desconfiados da vizinhança e boa parte do estranhamento se justificava no fato de a casa ser a primeira da cidade – e, possivelmente, do Estado do Paraná, segundo a arquiteta Giceli Portela – a ostentar uma suíte.
Ter banheiro dentro de casa não muito tempo antes disso ainda era um luxo para poucos, mas levar a casa de banhos para dentro do quarto era considerado quase um escândalo. O que fazia com que o casal não fosse bem visto pelos vizinhos. O motivo é que essa união dos dois cômodos exaltava a intimidade do casal, de forma que, na sociedade dos anos 30, os curitibanos ainda não estavam acostumados a escancarar.
Arwed Kirchgässner, filho do casal, disse em entrevista à Gazeta do Povo em 2013 que a presença da suíte continuou instigando a imaginação e curiosidade do povo local por vários anos. “Ao mesmo tempo em que a casa assustava a população, também não se continha diante da curiosidade de saber o que havia no interior. É de se imaginar a reação dos curitibanos – que geralmente tinham a latrina, de madeira, nos fundos da residência – ao receber a notícia de que a casa de Kirchgässner dispunha de um banheiro ao lado do quarto do casal. Com um grande detalhe: tinha até banheira e armários embutidos, algo impensável na época”, diz a matéria da repórter Polliana Millan, que traz ainda o depoimento de Arwed. “Quando fui estudante do Colégio Estadual do Paraná, anos depois de a casa ser construída, meus colegas pediam todos os dias para ir lá e conhecer o banheiro, a curiosidade ainda persistia”, disse ele na época.
A casa de Kirchgässner segue como propriedade privada da família.
*Especial para Haus.