Arquitetura
Brasil terá primeira “catedral” indígena na Amazônia financiada pelo Vaticano
Primeira catedral Yanomami da história da Amazônia ficará no coração da maior reserva indígena do Brasil. Imagem: Creatos Arquitetura/Divulgação
Até 2022 o Brasil terá uma “Catedral Indígena Yanomami” no coração da floresta amazônica. A confirmação oficial vem da Igreja Católica, que há poucos dias recebeu a aprovação do Papa Francisco para iniciar a construção, estimada inicialmente em R$ 800 mil. Metade deste valor já foi repassado pelo Vaticano para as autoridades católicas em terras brasileiras.
Batizado de Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes, em razão da devoção dos índios a Nossa Senhora, o templo religioso ficará no extremo noroeste do país, no território da maior terra indígena do Brasil – a Yanomami, com 9,6 milhões de hectares, homologada em 1992 pelo então presidente Fernando Collor de Mello –, aos pés do Pico da Neblina e a 13 horas distante de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, que é a cidade mais próxima na região da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Venezuela.
Pedido ao papa
A ideia de ter uma “catedral” indígena partiu das próprias tribos da região de Maturacá em 2016, quando procuraram o núncio apostólico (embaixador da Santa Sé) no Brasil, o arcebispo italiano Dom Giovanni D’Aniello, e o bispo de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Damian, manifestando interesse de mais de dois mil índios.
“Eles nos disseram que gostariam de ter uma igreja próxima, que identificasse a presença de Deus na comunidade”, relata o Padre Thiago Faccini, que é assessor do setor de espaço litúrgico na Comissão Episcopal Pastoral para Liturgia na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Com o sinal verde do papa, a CNBB repassou o desafio aos arquitetos Teresa Cristina Cavaco Gomes e Tobias Bonk Machado, da Creatos Arquitetura, escritório de Curitiba que é referência nacional em arquitetura religiosa e arte sacra.
“Desde o início nos preocupamos em desenvolver um projeto inculturado. Em nenhum momento se quer mudar a maneira como eles se relacionam, como enxergam o mundo e a si próprios. Será uma fusão da cultura deles com o cristianismo. Nunca haverá uma substituição, mas sim haverá o respeito entre as duas crenças. A arquitetura acompanhará isso. Será ao jeito deles, moldando-se à comunidade”, destaca Bonk, que mergulhou por alguns dias na cultura Yanomami e conversou com as principais lideranças indígenas para começar a pensar na catedral.
“Procuramos um projeto que tivesse uma igreja com a cara da comunidade local, mas que também fosse sustentável e que não exigisse tanta manutenção”, explica Faccini. “Símbolos cristãos devem se harmonizar com o rosto da comunidade. A caso de Nossa senhora de Guadalupe é o maior exemplo, em que a própria aparição respeitou o povo e sua história, com cores e significados indígenas.”
É essencial também que a obra seja totalmente participativa. “Haverá profissionais de fora na construção, sim, mas tudo que os índios puderem fazer, eles irão participar. Até as obras sacras serão produzidas por eles, com tramas artesanais e murais de sementes”, esmiúça o arquiteto.
O projeto
O ponto de partida foram as construções típicas de madeira e palha em forma circular, conhecidas como shabonos, que funcionam como aldeias-casa, onde todos da tribo convivem. Ao centro desse edifício, uma abertura cria um pátio comunitário, onde os índios tomam banho de sol e chuva, e por onde, durante os rituais de pajelança, acreditam que os espíritos entram para se comunicar com os vivos.
Por isso a igreja também será circular, com 32 metros de diâmetro, representando a igualdade, a unidade, e o próprio Cristo como centro de tudo. O ‘furo’ na estrutura também existirá para respeitar o elemento de ligação com o mundo espiritual. “No próprio credo católico se fala da comunhão dos santos, da junção da igreja militante com a igreja celeste”, esclarece o padre. “Eles acreditam que seus ancestrais descansam no alto do Pico da Neblina, por isso pediram uma igreja alta, que terá 25 metros de altura.”
A igreja terá oito lados, número que representa o renascimento em Jesus Cristo, com 875,49 m² e capacidade para 500 pessoas. Ela será dividida em três camadas. O externo, na área ao redor da igreja, para as pessoas se encontrarem antes das celebrações; um de transição entre o espaço de fora e o espaço sagrado; e o interior para a realização dos rituais. Todas as paredes são tramadas em madeira e palha, garantindo a vedação necessária e a ventilação dia e noite.
A estrutura será levantada bem próxima a uma área de missão da Congregação Salesiana, que há mais de 50 anos mantém alguns padres na região. Atualmente existem apenas três sacerdotes que atendem dois mil índios das tribos circundantes. No local existe uma residência dos padres, uma pequena capela, um salão comunitário, banheiros e uma quadra esportiva.
O projeto arquitetônico da “Catedral Indígena Yanomami” será apresentado oficialmente durante o 12º Encontro Nacional de Arquitetura e Arte Sacra que acontecerá em Castanhal, no Pará, entre os dias 17 e 21 de setembro de 2019.
Desafio logístico
Uma das maiores dificuldades do projeto reside no transporte para a obra, por isso os arquitetos previram materiais e recursos construtivos da própria região, como o emprego da madeira, de pedras e das técnicas construtivas dos Yanomami, como tramas e amarrações, tudo com as devidas autorizações.
Bonk conta que ainda estão sendo feitos estudos complementares para o projeto. As obras são esperadas para começar no segundo semestre de 2020 e levarão 18 meses para serem concluídas. Todas as devidas autorizações e licenças para a construção seguirão o rito normal, como previsto pelas leis brasileiras.