Arquitetura

Avenida João Gualberto tem construção protomoderna e hospital criado por Artigas

HAUS*
04/02/2017 18:23
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Fotos: André Eduardo dos Santos Filho/Gazeta do Povo

Uma caminhada matinal pela Avenida João Gualberto, com olhares atentos, revela muito mais do que se espera. “É uma região única, próxima ao centro da cidade”, sentencia o arquiteto e urbanista Orlando Pinto Ribeiro, professor de Arquitetura na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e conselheiro da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura – Paraná. A avenida começa classificada como uma zona de baixa densidade, que não permite construções elevadas, e se torna uma zona de alta densidade, que permite prédios altos.
“É uma configuração única em Curitiba, se tratando de uma via expressa”, conta Ribeiro. E isso se dá justamente pela história da via, antes Boulevard Dois de Julho, que data do ciclo da erva-mate, com famílias de alto poder aquisitivo sendo donas da região. O trajeto de aproximadamente 2 quilômetros se inicia no Passeio Público e termina um pouco antes da Igreja Senhor Bom Jesus do Cabral, na Rua Bom Jesus, onde começa a Avenida Paraná e marca a divisa entre os bairros Juvevê e Cabral.
Avenida João Gualberto guarda diversos estilos arquitetônicos: neoclássico, modernista, eclético e art déco.
Avenida João Gualberto guarda diversos estilos arquitetônicos: neoclássico, modernista, eclético e art déco.
A diversidade de estilos arquitetônicos e períodos da história começa no Colégio Estadual do Paraná. Com origem no Licêo de Coritiba, de 1846, o prédio novo da instituição foi inaugurado em 1950. O projeto possui arquitetura característica do Estado Novo, que previa a monumentalidade e linhas retas – abrindo caminho para o modernismo brasileiro.
Andar pela João Gualberto é quase andar por uma linha do tempo: mais alguns passos, vemos a Casa José Barbosa, construída pelo arquiteto, artista plástico e muralista carioca Ernani Mendes de Vasconcellos. O projeto modernista de 1955 traz características específicas do modernismo carioca: inclinação do telhado em estilo borboleta, uso de pilotis e panos de vidro, além do paisagismo exuberante à la Burle Marx, que inclusive deu dicas a Mendes de Vasconcellos.
Voltamos ao tempo à medida em que avançamos o passo. A região no século 19 foi um reduto de famílias abastadas, mais especificamente da família Leão, que construiu o icônico Palacete dos Leões em 1866, projeto arquitetônico eclético de Cândido Ferreira de Abreu, com portas, janelas e entalhes em pau-brasil, e porcelanas francesas e belgas. O ciclo da erva-mate, que enriqueceu as famílias Fontana, Leão e Veiga, foi essencial para o desenvolvimento das regiões do Batel e Alto da Glória.
A capelinha da Glória, erguida em 1896 quase em frente ao palacete, era um templo particular da família Leão. Na década de 1960, começou a abrigar novenas de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A movimentação na avenida era tanta que comprometia o tráfego da região e, assim, a novena foi transferida para o recém construído Santuário Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no fim da mesma década. Hoje, a capela é propriedade da Cúria Metropolitana e se encontra fechada, à espera de restauro.
A arquitetura eclética não é característica apenas das construções do século 19. Uma casa chama a atenção do arquiteto Orlando Pinto Ribeiro no meio do caminho. “Ela me lembra a Casa Kirchgässner, protomoderna”, diz. O estilo protomoderno, segundo Ribeiro, se dá através de um ecletismo anterior ao modernismo: “A casa não tem exageros, é adornada com elementos da própria arquitetura. A forma segue a função”.
Como a João Gualberto se tornou um eixo de destaque no tráfego curitibano, a questão urbanística trouxe mudanças à topografia do local, que possui subidas acentuadas. Foi preciso criar uma trincheira para estabelecer o sistema trinário: uma via expressa para ônibus com vias rápidas paralelamente, uma sentido centro-bairro e outra ao contrário. “Devido a seu relevo, construir um metrô na região teria um custo estratosférico”, afirma Ribeiro.
Duas quadras depois da trincheira, o contemporâneo edifício Essenfelder, sede Mauá do Tribunal de Justiça do Paraná, traz no nome a história do piano Essenfelder, considerado um dos melhores do país. A fábrica de instrumentos musicais fundada pelo alemão Florian Essenfelder funcionou por mais de 100 anos em Curitiba e deixou um legado cultural inegável à cidade. No início dos anos 90, a fábrica sofreu com a crise econômica da época e fechou as portas. Anos depois, foi construído o edifício de 26 andares no mesmo local.
Edifício Essenfelder está no local onde funcionou a fábrica de instrumentos musicais Essenfelder.
Edifício Essenfelder está no local onde funcionou a fábrica de instrumentos musicais Essenfelder.
As galerias formadas pelas marquises dos prédios, previstas por lei em regiões de alta densidade em Curitiba, revelam a solução concebida para o crescimento da cidade. “Como as vias precisavam ser maiores, as calçadas diminuíram. Aí que surgiram as marquises, um espaço meio público, meio privado, para ampliar a calçada”, conta Ribeiro.
Chegando ao fim do trajeto, surge o Hospital São Lucas, construção do mestre curitibano João Batista Vilanova Artigas. De 1948, o prédio traz o racionalismo construtivo do movimento modernista, com rampas, pilotis e terraços – um projeto irreverente para a época.

Quem foi João Gualberto?

João Gualberto Gomes de Sá Filho, recifense nascido em 1874, era um engenheiro militar que chegou em Curitiba para servir ao exército. Aqui, casou-se com Leonor de Moura Brito e foi escolhido prefeito da capital, mas desistiu do cargo para comandar o Regimento de Segurança do Estado do Paraná.
* colaborou André Eduardo dos Santos Filho

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