Bioclimática
Arquitetura
Ar-condicionado natural ressurge como solução que resfria, circula o ar e quase não gasta energia
Nem sempre a modernidade e o mundo contemporâneo geram as melhores soluções. Veja o caso do ar-condicionado. De fato ele é necessário em apartamentos muito altos, em que não é possível abrir as janelas, por exemplo, ou em locais muito quentes do Brasil tropical, como o Rio de Janeiro ou Salvador. Mas sabia que a melhor solução arquitetônica - e de quebra mais barata e realmente sustentável - para o conforto térmico das construções é uma ideia que os povos da antiguidade desenvolveram há mais de 2 mil anos? Hoje essa tecnologia é conhecida como ar-condicionado natural.
Origem na arquitetura antiga
"Gosto sempre de lembrar que quem não estuda história está condenada a repeti-la. E quando a gente se debruça sobre a refrigeração, existem registros de povos do deserto no Irã e na Turquia, 400 anos antes de Cristo, que aprenderam que é possível resfriar ambientes, alimentos e até criar gelo por meio dos yakhchals", explica a arquiteta Silvana Laynes de Castro, que atua em escritório próprio especializado em bioclimática e leciona no curso de Arquitetura e Urbanismo da UniCuritiba.
"Essas estruturas eram verdadeiras geladeiras do deserto, em que os povos utilizavam o subsolo, que eles já sabiam que é mais frio porque conserva a média de temperatura do local; o formato conífero, que atende à física necessária para o resfriamento; e materiais locais, o que chamamos de arquitetura vernacular", esclarece Silvana.
A arquiteta também lembra o exemplo das torres de vento, bastante presentes no Irã até os dias de hoje. "É uma engenhosidade criada para arrefecer o ar interno a partir do ar e da água, de dutos subterrâneos dos aquíferos da região. E que também foi utilizada pelos espanhóis mais tarde de uma forma artificial. Aproveitavam-se as paredes que recebiam os ventos dominantes e ali se construíam muxarabis (cobogós) com jarros altos de 80 centímetros cheios de água. Quando o vento passasse pela treliça, ele perderia velocidade, seria umidificado pela água e diminuiria um pouco a sua temperatura, uma vez que a água rouba calor", exemplifica.
Segundo a arquiteta, é por isso que Brasília tem tantos espelhos da água. É uma solução não apenas estética, mas que tenta equalizar os incômodos com a alta temperatura, principalmente a baixa umidade do ar, como lembra Silvana.
Climatização pelo uso do subsolo
Em Curitiba e Região Metropolitana existem dois exemplos contemporâneos de ar-condicionado natural em uso. Um no Santuário Cristo Rei e São Judas Tadeu, entre os bairros Alto da XV e Cristo Rei, e outro na loja Eletrorastro, no Boqueirão. Ambos os projetos foram feitos pelos arquitetos Luiz Reis e Myrian Müller, do escritório ArchiMundi Arquitetos, com consultoria do engenheiro mecânico Aloísio Schmid, que também é professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Nos dois projetos os profissionais utilizaram o subsolo para resfriar o ar. "São basicamente ventiladores externos que jogam o ar natural para um sistema de dutos abaixo da calçada. O ar circula pelo subterrâneo, onde a temperatura é estável, passa a ser resfriado e é purificado por um sistema de luzes ultravioleta, que elimina vírus e germes", ensina Reis. "E a saída do ar é feita por uma série de tubos menores, para homogeneizar a corrente do ar."
De acordo com Schmid, o tamanho da tubulação varia de projeto para projeto. "No caso da igreja do Cristo Rei, por exemplo, foi necessários construir um duto subterrâneo de 90 metros para que o ar chegasse na temperatura e na quantidade ideal para fazer uma circulação de ar saudável no espaço", conta.
No projeto da construção religiosa, os arquitetos e engenheiro mantiveram o granito antigo do piso e furaram o material apenas em algumas áreas de circulação, transformando algumas pedras em grelhas, por onde o ar entra no templo, sem mudar a linguagem arquitetônica original.
Um 'pulo do gato' da atuação dos profissionais é que Schmid criou um software inédito que calcula o tamanho do duto e a vazão necessária para cada necessidade. "Fiz do zero. Para facilitar a matemática, que começa a ficar complicada nesse caso, é muito comum na engenharia criar softwares. Coloquei todas as variáveis e utilizei cálculo matricial, como é costume utilizar na área de comportamento estrutural", relata o engenheiro.
"A capacidade do solo de diminuir o calor tem um limite. O solo não é muito condutivo do calor. Então, para um edifício que é usado por muitas pessoas, ou que entra sol em determinada intensidade, vai precisar de uma tubulação maior. E isso precisa ser calculado, se não o investimento é em vão", aconselha Schmid.
Exemplo internacional
Uma das construções contemporâneas que melhor utiliza o ar-condicionado natural é um projeto do arquiteto chileno Guillermo Hevia para uma unidade das Farmácias Ahumada. "Ele utiliza uma serpentina que passa pelo subsolo e refresca os produtos, que não podem ter alteração térmica", explica Silvana. "Remédio é um item de alto valor agregado e a utilização do ar-condicionado natural nessa situação só prova sua eficácia e confiabilidade."