Arquitetura
Leprosário São Roque: a história da pequena cidade construída para o isolamento
Casas dos internos do leprosário ainda resistem ao tempo. Foto: Leticia Akemi/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
No próximo dia 26 de maio é celebrado o Dia Estadual de Controle da Hanseníase. A doença, que hoje tem tratamento e cura, mas que chegou a ser considerada uma moléstia “terrível” nas primeiras décadas do século 20, tem no antigo Leprosário São Roque uma referência no acolhimento dos doentes de lepra, como então era conhecida.
Iniciada em 1925, a construção do leprosário correspondeu a uma medida profilática para conter o avanço da doença. Além disso, ela também se insere em uma política governamental de atenção à saúde pública, que se estrutura no Paraná e no país a partir deste período, como explica a arquiteta Elizabeth Amorim de Castro, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Também é importante relacionar esse fato à gestão de Caetano Munhoz da Rocha [’presidente’ do estado no período] que, como médico, vai ter esse olhar muito claro”, acrescenta.
Estrutura
Como a medida de controle da epidemia era baseada no isolamento compulsório dos doentes, o local escolhido para a construção do Leprosário São Roque foi o município de Deodoro, hoje Piraquara.
Com 42 alqueires, a área ficava cerca de 25 quilômetros distante de Curitiba e dispunha de água, energia elétrica e espaço para a agricultura e a criação de animais, o que lhe dava independência em relação à cidade.
Com 42 alqueires, a área ficava cerca de 25 quilômetros distante de Curitiba e dispunha de água, energia elétrica e espaço para a agricultura e a criação de animais, o que lhe dava independência em relação à cidade.
Projeto
O projeto foi assinado pelo engenheiro civil Jorge Meissner e teve sua implantação pensada a partir de espaços hierarquizados, que partiam de um núcleo central, composto pelo prédio administrativo e a área hospitalar, como explica Elizabeth. A professora destaca, ainda, que a arquitetura do leprosário apresenta formas simples e prioriza a racionalidade, o que vai de encontro à sua função.
Inauguração
Com capacidade para 500 leitos, o Leprosário São Roque foi inaugurado em 20 de outubro de 1926, seguindo padrões internacionais em termos de leprosário. Oito Irmãs Franciscanas de São José vieram da Alemanha, a pedido do governador do Paraná, para atender aos enfermos, que eram transportados até ali de trem.
“O trem tinha um vagão separado para os doentes. Quando ele chegava aqui para deixar estas pessoas, os passageiros sadios eram orientados a baixar as janelas de seus vagões”, conta Mara Lúcia Gomes Dissenha, diretora administrativa do Hospital de Dermatologia Sanitária do Paraná, como o antigo leprosário passou a se chamar a partir de 1990.
Ela acrescenta que, até meados dos anos 1960, quando os primeiros funcionários começaram a ser contratados, as irmãs e os internos com melhores condições de saúde eram os únicos responsáveis pela execução dos serviços de manutenção e enfermagem do leprosário.
Pequena cidade
Para possibilitar uma vida digna aos internos e dar conta do atendimento dos 1 mil pacientes que chegou a abrigar, o Leprosário São Roque passou por ampliações que resultaram em seus cerca de 12 mil m² de área construída.
Além da ala hospitalar, o espaço chegou a contar com campo de futebol, cinema, igreja, minimercado, delegacia e duas áreas de moradia: os “carviles” e as casas da colônia. Nos primeiros eram abrigados os doentes que não precisavam ficar hospitalizados, mas ainda demandavam cuidados de enfermagem. Já as casas serviam aos internos com boas condições de saúde, que eram abrigados aos pares.
Isolamento
O forte estigma que a lepra carregava fazia com que, uma vez internados, os pacientes não tivessem condições de deixar o leprosário e retomar a vida em sociedade – mesmo nos casos em que o diagnóstico descartasse a presença da doença.
“Por qualquer lesão de pele ou machucado que levantasse a suspeita de hanseníase a pessoa era encaminhada ao leprosário. Temos histórias de pacientes que eram internados com outros nomes para que as famílias não fossem identificadas por ter uma pessoa com a moléstia”, conta Mara.
“Sobrevivente”
Desta forma, os pacientes que chegavam ao São Roque faziam daquele espaço sua casa e construíam ali uma nova vida. Foi assim com o senhor Altamiro Panichi, hoje com 74 anos de idade. Natural da cidade de Joaquim Távora, aos 25 anos ele foi levado pelos pais para o São Roque, de onde nunca mais saiu.
Na enfermaria onde “mora”, ele se recorda dos antigos amigos e dos trabalhos realizados na colônia e vive feliz ouvindo rádio e assistindo à TV, seus passatempos preferidos. Tanto que, mesmo tendo reencontrado duas sobrinhas no início de 2016, a partir de um trabalho realizado pelo serviço social, optou por continuar vivendo no antigo São Roque. “Tudo é bom aqui”, resume sorrindo.