Opinião

Arquitetura

A casa mais vigiada

Marcos Kahtalian*
24/02/2023 12:28
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Deve dizer algo do Brasil e dos brasileiros a importância capital atribuída à segurança, quando pesquisamos alguns dos critérios que mais impactam a decisão de compra de imóveis. Trata-se de uma percepção do sentimento de segurança – tanto do bairro, quanto do imóvel em si – e não de aspectos construtivos específicos. A casa mais vigiada do Brasil não é o Big Brother, mas aquela ao lado.
Como se observa, multiplicam-se os aparatos para garantir a segurança domiciliar: câmeras por todos os lados, sistemas de monitoramento remoto, controles de acesso, rondas contratadas, vigilância solidária, clausuras em garagens, portarias duplas, senhas diversas, reconhecimento facial, 'apps' móveis, biometria, e o que mais aprouver ao condomínio – ele já em si uma forma de segurança. E que tal agora a inteligência artificial? Não parece ter limites o controle – sempre há mais um degrau a subir – pois a cada nova ocorrência danosa surge uma solução e depois outra. É o panóptico turbinado. E ainda assim, o sentimento de insegurança persiste, o que nos mostra um incômodo fracasso. O que fazer?
Não há solução simples que não esteja também errada. Há, nesse campo, tanto a visão de que se deve fazer exatamente o oposto, isto é, tornar mais porosas as fronteiras entre o lar e a rua – ecoando boa parte do pensamento urbanístico moderno – quanto àqueles que procuram reforçar o contrário.
Certamente uma vida urbana intensa e pulsante, ruas iluminadas, sempre com gente vivendo suas vidas, em todos os horários, aumentam nosso sentimento de pertencimento local. As redes de convívio tornam a rua amigável e mais segura. Mas nem todas as cidades podem ser uma Nova Iorque ideal, pois diferem em escala, história e dinâmica interna. O que não significa, reste claro, que não se deva promover o bom urbanismo, o comércio das trocas sociais e simbólicas em uma cidade mais próxima.
Por outro lado, desde tempos imemoriais, a casa é sempre o abrigo, sendo a segurança a mais básica e precípua de suas funções. Difícil argumentar com aquele que teve, às vezes com certa frequência, problemas de invasão, roubo e crimes em geral, de que ele deveria se preocupar menos com segurança e não mais. Colocar grades, nesse caso, é uma atitude natural. Como disse, não há solução simples.
Nesse sentido é que empreendedores imobiliários e administradores de condomínios vem reforçando esses aparatos de segurança não apenas em prédios comerciais, mas igualmente residenciais – e para todas as rendas. A própria onipresença do delivery, os minimercados internos, além da conveniência, também contribuem para reduzir o fluxo de saída de casa.
É a casa mais vigiada. Mas não sabemos se é a casa mais segura. Dizem que o Big Brother da televisão perdeu audiência. Desconfio mesmo é que perdeu a graça. Esperemos que em algum momento as pesquisas detectem que essa questão saiu da pauta e apontem consumidores querendo mais beleza, graça, sustentabilidade – enfim, o que todos queremos quando não estamos preocupados com segurança.
*Marcos Kahtalian é sócio-fundador da Brain Inteligência Estratégica