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Arquitetura

“A arquitetura é fundamental em um restaurante”, aponta Lalo Zanini, um dos maiores nomes do mercado gastronômico; confira entrevista

Sharon Abdalla
09/02/2024 10:33
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Apreço pela estética está presente desde cedo na vida do empresário. Na foto, Luce | Lalo Zanini/Divulgação

É muito provável que você, leitor, já tenha frequentado um estabelecimento gastronômico que leva reconhecidamente a assinatura ou que já tenha passado pelas mãos, e pela inventividade, de Lalo Zanini. Um dos maiores nomes do setor gastronômico no país - e responsável pela liberação do Absinto, entre tantas outras inovações -, ele já montou mais de cem casas no Brasil e no exterior e se autodefine como um “montador serial de restaurantes”. 
O segredo de tamanho sucesso e reconhecimento? Uma mente inquieta, curiosa e o entendimento de que um bom estabelecimento não se faz somente com um cardápio de excelência, mas, especialmente, com um projeto arquitetônico, paisagístico e de design de interiores que transmita pelo ambiente o conceito e o valor daquele negócio, que proporcione ao cliente uma experiência completa e marcante. 
Em conversa exclusiva com HAUS, Lalo resgata seu histórico de sucesso, sua relação vinda de berço com a estética e detalha a relevância da arquitetura no desenvolvimento dos seus restaurantes. Confira na íntegra!  
Lalo Zanini, a mente criativa por trás de mais de cem restaurantes no Brasil e no exterior.
Lalo Zanini, a mente criativa por trás de mais de cem restaurantes no Brasil e no exterior.

HAUS - Você é um dos principais nomes quando se fala sobre gastronomia do ponto de vista dos negócios. Quantas unidades está operando atualmente? 

LZ - Neste momento, seis unidades de restaurantes. E estou abrindo mais três casas. 
Eu venho da moda. Comecei na moda muito menino, trabalhando com os meus irmãos. Com 17, 18 anos, fui trabalhar com a Glorinha Kalil, na Fiorucci. Depois, fui trabalhar com a Neza Cesar e com a Traudi Guida, que depois fundaram a Le Lis Blanc, e encerrei minha carreira na moda na Forum, que foi a minha grande escola de vida, como gestão, como modelo de negócio. Acabei migrando para a gastronomia quando saí da Forum e fui morar na Califórnia. Lá, fui passando por todos os cargos até chegar à gerência. Voltei ao Brasil e montei minha primeira casa, sempre com olhar tanto em moda quanto na arquitetura.
Sempre entendi que arquitetura era algo muito importante. Acredito que hoje em dia, não na minha época, a boa gastronomia virou uma coisa obrigatória. Eu comecei no final dos anos 1980, em Los Angeles, [época em que] a gastronomia não era tão forte no Brasil. Não havia sushi que não fosse de japonês, não havia um monte de coisa. E graças a Deus, por pegar a “piscina azul”, acabei introduzindo muita coisa no mercado nacional. 
Vou fazer um parêntesis: a primeira vez que eu entrei no Fasano, lá atrás, quando o Fabrizio inaugurou [...] eu tomei um choque arquitetônico, pois foi das casas mais lindas que vi na minha vida, [a união] de arquitetura com gastronomia. Aquilo mudou minha vida, [...] mudou meu olhar para o mundo do que eu queria ser. Eu falei: eu quero ser isso! E mesmo com o movimento do Fasano, que era um movimento único, não havia ninguém investindo na arquitetura, não era uma coisa relevante, as pessoas não se importavam. Você tinha aquele padrãozinho: mesa, toalha, quadrinhos na parede, um som meio cafona. 
Eu comecei… não na minha primeira casa, mas na segunda, a Sushi Company - a primeira casa de sushi que não era de japonês no Brasil -, já fiz uma arquitetura muito diferente, com pé-direito duplo, louças que mandei fazer com um cara que desenhava veleiros… Foi um cuidado estético e vi que isso pegou, porque uma das coisas que mais elogiavam era a arquitetura ou a ousadia arquitetônica. 
Na sequência eu montei o Limone, um divisor de águas em São Paulo. O Limone foi o primeiro restaurante para jovens no Brasil. Ele tinha pratos de alta gastronomia, uma arquitetura muito agressiva, som um pouco mais alto [...] Na sequência, a Companhia Asiática, que arquitetonicamente era diferenciadíssima. Trouxe móveis da Tailândia, fiz um aquário de 12 metros com 12 tubarões, a casa era toda neutra visualmente, por fora inteira em madeira, [...] um paisagismo extremamente agressivo. [...] E assim fui indo. Sempre bati muito nessa questão da arquitetura, foi dando certo essa marca, que o mercado começou a imitar [...]. Foi quando todo mundo começou a subir a régua, pois, além de eu fazer tudo com arquitetura, eu era serial. 
Fachada do Limone, restaurante voltado ao público jovem.
Fachada do Limone, restaurante voltado ao público jovem.

HAUS - Você pontua muito a questão da arquitetura estar presente desde as primeiras operações que encampou, mas já comentou em outras ocasiões que isso vem também da sua criação? Pode voltar à sua história?

LZ - Eu comecei a minha carreira, ainda bebê, como modelo. Fui modelo até quase os 17 anos. A minha família é de pintores, de artistas, ceramistas, da Itália. Minha mãe era uma decoradora importante na época dela, ela fazia muita coisa. E eu sou filho temporão, então trabalhava muito com a minha mãe. Com 10 anos eu já tinha noção de estética, até pelo ambiente familiar. Era muita cultura envolvida, aquela família europeia.

HAUS - Você já comentou brevemente, mas eu gostaria de aprofundar: como essa relação que alimenta desde sempre com a estética se reflete nos seus empreendimentos? Em que etapa do desenvolvimento dos empreendimentos, sejam dos seus negócios ou dos negócios para os quais você presta consultoria, essa preocupação com a arquitetura entra?

LZ - Na primeira! Eu crio o nome e crio um DNA na minha cabeça. Eu não sou arquiteto, mas faço todos os projetos, participo 100% dos projetos. Eu sei fazer, mas não sei desenhar, infelizmente, então tenho arquitetos com quem trabalho e que sabem como eu penso. Quando eu penso nos nomes [dos estabelecimentos], eu não penso nem no cardápio. Penso na arquitetura primeiro, no que vou entregar de arquitetura. Na sequência faço o cardápio. O meu processo de criação [...] é totalmente voltado para a arquitetura. 
Mondo Pane, uma das operações criadas por Lalo Zanini
Mondo Pane, uma das operações criadas por Lalo Zanini

HAUS - Essa inversão é o que faz dos seus empreendimentos diferenciados?

LZ - Eu falo que não sou um restaurateur [pessoa que abre e gerencia profissionalmente restaurantes], eu sou um varejista, um varejista com cabeça de arquiteto. Se eu precisar mudar o cardápio dez vezes, eu mudo. Se precisar mudar 30 vezes, mudo. Sou mutante, não me apego a nada. 
Há dois tipos de restaurantes: o reformável e o restaurável. O restaurável é aquele que daqui a cem anos não vai mudar o quadro da parede. Eu faço o restaurável e o reformável. Gosto mais do restaurável, sou mais clássico e sei que a longevidade é maior. Mas o reformável também é interessante.

HAUS - Para você o investimento em arquitetura é muito claro, mas, para algumas pessoas, ele ainda é visto como custo. Do ponto de vista do investimento, qual a participação do projeto arquitetônico e de design de interiores nos seus negócios? 

LZ - Meu foco de investimento... é óbvio que o negócio tem que parar em pé, mas eu não abro mão da arquitetura, desde que ela seja guiada por mim. Como eu olho com o olhar do arquiteto, com o olhar do dono de restaurante e com o olhar do varejista, eu sei exatamente onde o arquiteto pode chegar e sei quanto ele pode gastar. Eu domino [a arquitetura] dentro da minha mediocridade, e sei exatamente o que eu quero. Não sou arquiteto, não sou projetista, eu preciso [de suporte]. [Por exemplo,] eu não fico na cozinha, cozinhando, mas eu domino o que faço. Participo dos cardápios, sei o que vende, mas quem faz é quem é bom para fazer. Não tenho a pretensão de virar arquiteto. 
Lalo está à frente da concepção e ambientação dos seus restaurantes. Na foto, Tartuferia Giapponese
Lalo está à frente da concepção e ambientação dos seus restaurantes. Na foto, Tartuferia Giapponese

HAUS - Você tem uma equipe fixa de profissionais de arquitetura que trabalham com você ou ela muda a cada projeto?

LZ - Trabalho com várias equipes, não sou preso a ninguém. 

HAUS - Você se capacita constantemente. No ramo da arquitetura, costuma acompanhar feiras, eventos, lançamentos de produtos voltados ao mercado arquitetônico para trazê-los para seus empreendimentos? 

LZ - Faço tudo via internet. Tudo o que você imaginar. Eu sou um curioso, passo o dia lendo, acompanhando tendências de moda, principalmente. 

HAUS - O setor de arquitetura e design é muito ligado às tendências? Como elas afetam suas decisões sobre os projetos das operações? 

LZ - Com o volume de leitura que eu faço, gero um conhecimento empírico muito agressivo. Eu acho que esse conhecimento empírico acaba me dando o “cheiro” da tendência. Em muitos anos eu acerto qual vai ser a cor do ano porque eu estou vendo o que está acontecendo. Sou quase um pesquisador. 

HAUS - Como avalia a percepção do cliente para o investimento em um projeto arquitetônico e de design de interiores dos estabelecimentos gastronômicos? Ela já é objetiva, no sentido dele chegar ao restaurante e reconhecer ali esse valor, ou ainda é mais subjetiva?

LZ - Hoje, eu diria que a arquitetura é fundamental em um restaurante. O que os arquitetos precisam aprender é a fazer esse link do arquiteto e do dono de restaurante. 

HAUS - Gostaria de deixar uma mensagem final? 

LZ - Meu DNA sempre foi a inovação. Eu fui quem colocou o bitcoin no mercado gastronômico do mundo [...], inventei o hambúrguer de picanha. Faço consultoria para restaurantes, mas também para empreendimentos que não são restaurantes. Sou essa pessoa curiosa. 

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