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Madeira engenheirada ganha fôlego e desponta como matéria-prima para o mercado imobiliário

Sharon Abdalla
Sharon Abdalla
14/01/2025 08:30
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Mc Donald's localizado no bairro Paraíso, em SP, foi construído em madeira engenheirada pela Noah | Maíra Acayaba

A matéria-prima não é nova, nem a tecnologia por trás de seu beneficiamento para a construção de edificações dos mais variados portes e finalidades. A novidade está no fato da madeira engenheirada estar ganhando fôlego e conquistando espaço entre os lançamentos imobiliários do país, incluindo os da maior cidade da América Latina. Em São Paulo, três empreendimentos corporativos estão em fase de desenvolvimento em Pinheiros, na região da Av. Faria Lima, importante polo comercial e financeiro da capital paulistana.
Os projetos “boutique” prometem introduzir uma nova estética ao famoso endereço, inserindo o calor da madeira na vizinhança de tons azulados pelas fachadas envidraçadas, mas vão além. Sinalizam um novo momento do mercado imobiliário nacional, atento às demandas urgentes do nosso tempo e aos anseios por ambientes mais sustentáveis e saudáveis para quem vive e trabalha entre quatro paredes.
“São três prédios corporativos que trazem a natureza para os espaços de trabalho, contribuindo para reduzir o nível de estresse e promover a saúde mental. Além disso, esses espaços são capazes de atrair e reter os melhores talentos, uma vez que as novas gerações chegam ao mercado com essa preocupação com o meio ambiente e impulsionam as empresas a serem cada vez mais sustentáveis, o que inclui os espaços de trabalho”, comenta Nicolaos Theodorakis, CEO da Noah, construtech à frente do desenvolvimento dos projetos, que somam 10 mil m² de área construída.
Enquanto os projetos ganham corpo, os investimentos na cadeia de fornecimento da tecnologia construtiva também avançam. A cidade de Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba, por exemplo, conta com uma indústria voltada ao fornecimento de madeira engenheirada, também conhecida como mass timber, no termo em inglês.
Matéria-prima pode ser utilizada em projetos comerciais e residenciais | Divulgação
Matéria-prima pode ser utilizada em projetos comerciais e residenciais | Divulgação
“Em outubro, completamos três anos como empresa independente, liderados por um grupo de acionistas. Nossa primeira planta recebeu cerca de R$ 150 milhões em investimentos em maquinários de última geração e para consolidar uma indústria tecnológica, capaz de oferecer ao mercado produtos em escala e impulsionar o setor da madeira engenheirada rumo a projetos com portes cada vez maiores”, conta Ana Belisário, diretora comercial da Urbem.

Uma técnica construtiva, muitos benefícios

Os especialistas são unânimes ao atrelar a expansão nacional da madeira engenheirada, que une tecnologia a um material renovável e ancestral, à tendência de industrialização do canteiro de obras. Composto por várias camadas de madeira coladas que, além das paredes, servem aos pilares, vigas e lajes dos empreendimentos, o processo é totalmente industrializado. As peças são usinadas na fábrica e enviadas ao canteiro de obras, onde são encaixadas com precisão, como em um grande jogo de Lego. “No canteiro também são realizadas a aplicação dos conectores e a montagem das peças, sem necessidade de ajustes e sem geração de resíduos”, detalha Ana.
O processo traz celeridade à obra, que tem seu calendário reduzido em cerca de 50%. “Para a dinâmica de investimento imobiliário, isso é fantástico, pois ativa as receitas antes do período, e o retorno do investimento é maior do que nos métodos convencionais”, acrescenta Theodorakis.
Ainda assim, o empresário (que atua na construção e incorporação imobiliária de alto padrão há 13 anos, sendo os últimos cinco deles na Noah) atribui à renovabilidade da matéria-prima e sua capacidade de captura de carbono – com possibilidade de emissão de crédito de CO², quando este mercado estiver regulado – os principais atributos do sistema construtivo. “A oferta de madeira engenheirada em larga escala traz para o mercado imobiliário uma importante alternativa para atendimento dos critérios ESG”, acrescenta a diretora comercial da Urbem.
Casa Pompéia, da Urbem, demostra aplicação residencial da madeira engenheirada | Maíra Acayaba
Casa Pompéia, da Urbem, demostra aplicação residencial da madeira engenheirada | Maíra Acayaba
Em termos de custo, os valores de uma obra em madeira engenheirada são muito similares aos de uma construção convencional e decorrem, principalmente, do ganho de tempo e eficiência no canteiro, além da redução de desperdícios de materiais.

Gargalos

Comum na Europa e na América do Norte, a madeira engenheirada vive uma curva de adoção da tecnologia no Brasil, na qual os atores do setor já superaram as primeiras dúvidas em relação à segurança e exequibilidade do sistema construtivo. Agora, ele entra em uma nova fase, de adoção exponencial e do aumento do tamanho médio das edificações.
Os resultados das empresas são outro ponto que comprova a crescente no uso da madeira engenheirada no país. A Noah, por exemplo, cresceu 10 vezes no ano passado e tem perspectiva de ter crescido outras cinco em 2024, com um pipeline comercial de R$ 2 bilhões em negócios de desenvolvimento imobiliário e obras para terceiros.
“Tudo indica que o mercado da madeira engenheirada terá forte crescimento nos próximos anos. A estimativa da empresa é que quando a madeira engenheirada alcançar 10% do mercado total brasileiro, a demanda do setor representará cerca de 3 milhões de m³ por ano, 30 vezes a [capacidade implantada da] primeira unidade da Urbem. Esses números demonstram o potencial de expansão desse setor, trazendo geração de valor ao longo de toda a cadeia, das florestas ao edifício construído”, acrescenta Ana.
O gargalo para esse crescimento, no entanto, ainda esbarra no aculturamento de mercado em relação à qualidade e eficiência dos empreendimentos construídos com a tecnologia e da “conversão de profissionais” do setor da construção civil para o universo da madeira, nas palavras de Theodorakis.
Escalada do uso da tecnologia ainda esbarra no aculturamento sobre os benefícios e resistência da matéria-prima | Divulgação
Escalada do uso da tecnologia ainda esbarra no aculturamento sobre os benefícios e resistência da matéria-prima | Divulgação
“Políticas públicas e incentivos dos governos e prefeituras, como financiamentos subsidiados ou alguma isenção nas obras por utilizarem materiais sustentáveis, seriam outro grande impulsionador deste mercado, acelerariam muito esse aculturamento para a tecnologia da madeira engenheirada”, conclui o CEO da Noah.

No Uruguai, plásticos reciclados são transformados em casas

A adoção de matérias-primas renováveis no setor da construção civil é um caminho relevante, mas não o único para tornar as residências e edifícios mais eficientes e sustentáveis. No Uruguai, a TD Recicladora (Trombini Dessarollos) desenvolveu placas de plástico reciclado que estão substituindo as de OSB (Oriented Strand Board, no termo em inglês) na construção de casas do complexo Caracoles Cidade Jardim - condomínio fechado que oferece uma variedade de produtos, desde residências prontas até lotes, edifícios e espaços comerciais.
O material foi desenvolvido em parceria com a empresa local Rotoplast, que já atuava na produção de móveis e outros produtos com matéria-prima reciclada. ”As placas são produzidas com polipropileno (PP) e polietileno (PE) de alta e baixa densidades reciclados, e são utilizadas no fechamento exterior das casas, que têm estrutura em steel frame e interiores em drywall”, explica Gabriel Trombini, CEO da Caracoles Punta del Este e diretor da TD Recicladora.
A matéria-prima já foi utilizada na construção de duas casas no loteamento, e a previsão é de que 16 sejam erguidas no local. As Eco Houses, como foram batizadas, possuem cozinha e sala integradas, dois dormitórios e varanda, totalizando 60 m². A construção de cada uma delas consome seis toneladas de plástico reciclado.
O custo das residências, segundo Trombini, é cerca de 25% mais barato do que uma construída com os métodos tradicionais, no Uruguai. No Caracoles, elas podem ser adquiridas por cerca de 130 mill dólares, incluindo o terreno (250 m²) e a casa pronta para moradia.
“O cliente uruguaio que busca uma segunda residência está mais aberto a casas construídas com materiais alternativos. Esse mercado está se abrindo. Venho de uma família que trabalha com reciclagem no Brasil e fui criado nesse ambiente. Há 20 anos, o produto reciclado era considerado de segunda linha. O que estamos vendo nos últimos 10 anos é o oposto, com esse tipo de iniciativa ganhando destaque”, avalia Trombini.